27 novembro 2010

RETRATOS DO DESPESISMO (3)

Às vezes ouvimos dizer que o crescimento da dívida pública em percentagem do PIB só aconteceu após o eclodir da crise financeira de 2008 e a crise económica que se seguiu. Assim, o governo tem repetido ad nauseum que as despesas públicas e a dívida do Estado estavam sob controlo antes de 2008. Uma análise mais detalhada sobre esta questão fica para outra ocasião. Entretanto, vale a pena perceber quando e como é que as despesas públicas em percentagem do PIB aumentaram, e como é que o nosso país se compara em relação aos restantes países europeus. 
Para que possamos ser justos, vale a pena dividir o período de análise entre 1998 (quando a nossa entrada no euro ficou decidida) e 2010 em dois períodos: um período antes da crise internacional (entre 1998 e 2007) e outro período depois da crise (entre 2008 e 2010). Comecemos pelo primeiro período.
Neste sentido, o gráfico 1 apresenta os cálculos da variação da despesa pública em percentagem do PIB para os países que pertenciam à Zona Euro em 2007. Por exemplo, se o valor no eixo vertical for 3%, isso quer dizer que, entre 1998 e 2007, a despesa pública em percentagem do PIB no país X cresceu 3 pontos percentuais do PIB desse país.
E, como podemos ver, os números falam por si. Entre todos os países do primeiro pelotão do euro (mais a Grécia, que aderiu um ano mais tarde), Portugal foi o país da Eurolândia onde as despesas públicas em percentagem do PIB mais cresceram entre 1998 e 2007. Aliás, na Zona Euro, os únicos países que registaram um crescimento da despesa pública em percentagem do PIB entre 1998 e 2007 foram Portugal, a Grécia e a Irlanda. Todos os restantes países da Zona Euro viram as suas despesas públicas em percentagem do PIB diminuir, por vezes de forma muito significativa. Assim, países como a Alemanha, o Luxemburgo, a Áustria e a Finlândia diminuiram as despesas em percentagem do PIB e cerca de 5 pontos percentuais. Ou seja, exactamente ao contrário do que nós fizemos.

Gráfico 1 _ Variação da despesa pública em percentagem do PIB na zona euro entre 1998 e 2007
Fonte: Calculado dos dados da AMECO

No entanto, se ainda não estivermos convencidos sobre o nosso excessivo despesismo num contexto em que tínhamos decidido participar na moeda única europeia, vale a pena também comparar o que se passou em Portugal e nos restantes países da União Europeia,  incluindo os países que entraram mais tarde no euro (como o Chipre, Malta, a Eslováquia e a Eslovénia). É isso que se faz no gráfico 2, que apresenta a variação da despesa pública em percentagem do PIB na UE 27 entre 1998 e 2007. É visível que na UE27, nós não fomos o país onde a despesa pública em % do PIB mais cresceu. As honras de tal proeza pertencem ao Chipre e ao Reino Unido. No entanto, mais uma vez, Portugal foi um dos países onde as despesas públicas em % do PIB mais cresceram em toda a UE27 entre 1998 e 2007.

Gráfico 2 _ Variação da despesa pública em percentagem do PIB na UE27 entre 1998 e 2007
 Fonte: Calculado dos dados da AMECO

Por outras palavras, o nosso excessivo despesismo aconteceu bem antes do dealbar da crise internacional e não depois. Aliás, este facto é bem patente no próximo gráfico, que apresenta a variação das despesas públicas em % do PIB entre 2008 e 2010 (valores projectados). Como podemos ver, neste caso o governo até tem razão em afirmar que nós nem fomos dos países onde a despesa pública em % do PIB mais cresceu após o início da crise de 2008. A verdade é que a variação média deste indicador em Portugal foi ligeiramente superior à variação média das despesas públicas em % do PIB registada na UE27, mas bem menor do que a variação ocorrida em países como a Dinamarca, a Finlândia, a Eslovénia ou mesmo a Holanda.

Gráfico 3 _ Variação da despesa pública em percentagem do PIB na UE27 entre 2008 e 2010

 Fonte: Calculado dos dados da AMECO

O problema é que quando esse aumento da despesa pública em % do PIB aconteceu por força da crise internacional,  nós já não tinhamos margem de manobra para o fazer, enquanto os países que se mantiveram regrados entre 1998 e 2007 acabaram por ficar numa situação bem mais favorável. A excepção é a Espanha (e a Irlanda), cujos problemas se devem ao rebentar de uma bolha imobiliária e das suas repercussões para o sistema bancário.
Moral da história: as graves consequências do excessivo despesismo do nosso Estado que estamos hoje a viver não são, de modo algum, um mero reflexo da crise internacional. Não. Bem pelo contrário. O que a crise internacional fez foi agravar desequilíbrios já existentes, desequilíbrios que foram criados por um excessivo despismo do nosso Estado e dos nossos governos em períodos em que deveríamos ter poupado para podermos ter mais margem de manobra em tempos menos bons. Como não o fizemos, acabámos por ficar reféns do nosso despesismo e do elevado endividamento da nossa economia e do nosso Estado, e acabámos por pagar um preço muito alto por toda esta falta de controlo da nossa despesa pública. Um preço que, como é óbvio, terá que ser pago pelas gerações futuras e pelos governos vindouros.

2 comentários:

Unknown disse...

Obrigado pela análise.

Carlos Sério disse...

Em 2004, a Dívida Pública Directa correspondia a 58,3% do PIB (em 1996 era de 59,9% do PIB). Em 2010, a Dívida Pública Directa ronda os 91% do PIB. Considerando contudo, o endividamento das empresas públicas e as dívidas assumidas nas parcerias público privadas, o valor da dívida Pública sobe para os 125% do PIB em 2010. É um agravamento brutal e que coloca em causa qualquer pretensão de desenvolvimento económico do país. Com uma agravante mais – se em 1996 os residentes detinham 75% e os não residentes 25% da dívida pública portuguesa, em 2008, os residentes detêm apenas 22% e os não residentes 78%.