30 maio 2011

AS PALAVRAS DO FMI

Distraídos com a campanha eleitoral, muitos de nós (incluindo a maior parte da nossa imprensa) não deu conta de mais uma avaliação muito cáustica que o FMI fez da nossa situação económica, atribuindo implicitamente as responsabilidades a este governo por termos chegado a esta situação. Assim, num comunicado à imprensa da autoria do FMI, lê-se não só que as "melhorias" orçamentais em 2010 foram meramente "marginais" (no código diplomático do FMI marginal significa péssimo ou insuficiente) e que as políticas de combate a estes problemas foram "adiadas". O FMI diz ainda que tínhamos um "enquadramento orçamental frágil".
O press release do FMI confirma ainda aquilo que também já sabíamos: que a crise orçamental e a crise da dívida soberana portuguesa quase deram azo a crise bancária sem precendentes na nossa história recente. Porquê? Porque a subida dos juros da dívida pública nacional e as sucessivas quedas de "rating" da República Portuguesa afectaram o financiamento dos bancos nos mercados financeiros internacionais, o que lhes causou um grave problema de liquidez. Sem fontes de financiamento (com a excepção do BCE), os bancos nacionais responderam restringindo o crédito às famílias e às empresas, o que provocou grandes restrições de crédito no território nacional. Quando há menos crédito, há menos consumo e menos investimento, o que afectou ainda mais a economia nacional.
Porém, os problemas dos bancos não ficaram por aqui. Como foram "convencidos" a colaborar com a estratégia do governo de tentar por todos os meios evitar aquilo que era inevitável (isto é, o pedido de ajuda externa), nos últimos meses os bancos nacionais foram dos principais compradores da nossa dívida pública, o que aumentou em muito a sua exposição à dívida soberana portuguesa. Com todos os riscos que isso acarreta para os nossos bancos se Portugal for forçado a fazer uma reestruturação da dívida... (Obviamente, a mesma lógica se aplica à utilização do Fundo de Estabilização da Segurança Social para comprar a dívida nacional. Descapitaliza-se a Segurança Social em prol da sobrevivência de um governo medíocre. Uma vergonha, no mínimo).
O FMI considera ainda que a crise nacional é estrutural, devido à acumulação de desequilíbrios internos e externos ao longo dos últimos anos. Ou seja, o FMI confirma que a fábula que os problemas nacionais começaram com a crise internacional é um mito. Nas palavras do FMI:A economia portuguesa enfrenta uma grave crise em consequência da acumulação de desequilíbrios internos e externos e de profundos problemas estruturais, que produziram uma situação de estagnação económica, falta de competitividade e altas taxas de desemprego." 
Como é evidente, estes "profundos" problemas estruturais, a estagnação económica e a falta de competitividade não se iniciaram em 2008. Bem pelo contrário, assim como já aqui demonstrei várias vezes. Em suma, o FMI só confirma aquilo que é amplamente conhecido fora de portas e que alguns de nós vêm alertando há algum tempo: que a crise nacional é estrutural e que já se prolonga há vários anos. Afirmar o contrário é mera retórica política de quem sabe que a razão não está do seu lado.
 
Aqui está um excerto da carta do FMI. O documento completo em português está aqui: 
"Os persistentes problemas estruturais – nomeadamente a produtividade baixa, a falta de competitividade e a dívida elevada – prejudicaram gravemente o crescimento e deram origem a grandes desequilíbrios externos e orçamentais. No último ano, o governo tomou algumas medidas para controlar o défice orçamental e atenuar os estrangulamentos estruturais, mas o impacto dessas medidas não foi suficientemente profundo.
As melhorias na frente orçamental registadas em 2010 foram apenas marginais e as acções correctivas foram adiadas, em parte como reflexo de um enquadramento orçamental frágil. Como resultado, o défice orçamental global apresentou apenas uma ligeira queda, de 10,1 por cento do PIB em 2009 para 9,1 por cento do PIB em 2010. Para além disso, a ambiciosa meta orçamental de 4,6 do PIB para 2011 também se revelou inatingível.
O contágio e os riscos orçamentais exacerbaram as pressões financeiras sobre o Estado e a banca. Os custos de financiamento do Estado atingiram o patamar mais alto registado após a entrada do país na zona euro, e as tensões no mercado da dívida soberana repercutiram sobre o mercado bancário por grosso. Isto restringiu a posição de liquidez dos bancos, à medida que lhes impediu o acesso ao financiamento nos mercados por grosso, de que eles tanto dependiam. Como reacção às severas restrições no acesso ao financiamento e ao aumento das perdas nas carteiras de empréstimos bancários, os bancos adoptaram políticas de crédito mais restritivas e, com isso, a expansão do crédito foi consideravelmente reduzida. Neste cenário, os temores quanto às perspectivas de crescimento e à sustentabilidade da dívida externa de Portugal intensificaram-se nos últimos meses, culminando no pedido de ajuda financeira externa."

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