23 maio 2011

MAIS UMA EXECUÇÃO ORÇAMENTAL "EXEMPLAR"

Mais um mês, mais uma execução orçamental "histórica" com uma descida "sem precedentes" da despesa pública. Pelo menos é o que nos diz o governo. E é o que muitos dos nossos meios de comunicação social nos informaram. Não interessa se há vários indícios que muitos departamentos públicos começam a sentir sérias dificuldades para fazer pagamentos básicos, e não importa se o prazo médio de pagamentos aos fornecedores tem vindo a aumentar nos últimos tempos. E tão-pouco importa se as nossas "extraordinárias" execuções orçamentais não tenham sido suficientes para convencer os malvados dos especuladores e os partidos da oposição que tudo está a correr pelo melhor. Não. O que interessa é aceitar os números que nos foram propagados pelo governo sem espírito crítico. E é exactamente por estas e por outras que estamos hoje como estamos.
Infelizmente, e como já aconteceu nas recentes execuções orçamentais, há uma diferença enorme entre a "realidade" que este governo nos quer transmitir e a verdade dos números. E a verdade dos números é bem menos risonha daquilo que nos querem levar a crer. Se não vejamos.
Nem tudo são más notícias, principalmente se tomarmos em linha de conta o despesismo dos últimos anos. Assim, é verdade que algumas rubricas da execução orçamental começam finalmente a demonstrar algumas melhorias. Neste sentido, é de assinalar que, nos primeiros quatro meses do ano, as despesas correntes baixaram 3% em relação ao período homólogo de 2010, enquanto as despesas de capital desceram 0,9%. É certo que as despesas correntes primárias (i.e., sem juros) desceram menos do que tinha sido antecipado. Mesmo assim, é de saudar esta descida das despesas correntes. É ainda de saudar a melhoria do saldo global do Estado relativamente a 2010. 


Porém, as boas notícias ficam por aqui. O problema é que não só a descida das despesas não aconteceu em muitos sectores do nosso Estado (principalmente nos Fundos e Serviços Autónomos, como veremos), mas também a melhoria do saldo foi principalmente alcançada pelo lado da receita, ou seja, através de um agravamento dos impostos das famílias e das empresas. A execução orçamental beneficiou ainda de uma "descida" dos juros pagos pelo nosso Estado (como iremos ver mais abaixo).
Comecemos com o aumento da carga fiscal. É de assinalar que, quando comparamos os primeiros 4 meses de 2011 com os meses homólogos em 2010, verificamos que as receitas fiscais aumentaram 17%, sustentadas não só pelo aumento das taxas do IVA, mas também pelo crescimento das receitas de quase todos os outros impostos. As receitas de capital também subiram quase 27%. O problema é que grande parte da melhoria das receitas do IRS e do IRC e as receitas de capital são, em grande parte, extraordinárias. Mais concretamente, segundo a DGO, “a variação homóloga acumulada do IRS a Abril, de 30,7% é explicada principalmente pelo facto do prazo de entrega do IRS em 2011, via internet, ter ocorrido um mês mais tarde que em 2010, com impacto, por inerência nos respectivos reembolsos e receita líquida". E no IRC, "a variação homóloga acumulada do IRC a Abril, de 35,6%, resulta da receita gerada pela tributação de dividendos em Janeiro, do aumento da receita bruta e da diminuição de reembolsos face ao período homólogo”.
Em relação às despesas, uma das componentes que ajuda a explicar a resultado desta "histórica" execução orçamental é a "descida" dos juros que o nosso Estado pagou nos primeiros 4 meses do ano. Como podemos ver no gráfico abaixo, nos últimos anos, os juros e outros encargos do Estado têm vindo a descer nos primeiros entre Janeiro e Abril:



O que é que justifica esta "descida" dos juros? O facto de a execução orçamental na rubrica dos juros ser de apenas 12,9%, enquanto a execução de quase todas as outras rubricas ser de cerca de 30%. Segundo a DGO, a baixa dos juros “é explicada pelo diferente padrão de pagamentos de juros, nomeadamente relativos a Obrigações do Tesouro e de swaps de taxas de juro, cujo valor favorável foi mais expressivo em 2011.”, visto que “No I quadrimestre de 2010 realizaram-se pagamentos de cupões das recompras antecipadas, enquanto que, em igual período de 2011, não ocorreram pagamentos de cupões”. Decifrando: o que isto quer dizer é que nos próximos meses vamos assistir a uma maior execução orçamental dos juros pagos pelo Estado, o que tornará os resultados alcançados bem menos "históricos". Obviamente, não será este governo a obter estes resultados menos bons.

No entanto, o resultado mais significativo desta execução orçamental encontra-se ao nível dos chamados Serviços e Fundos Autónomos (SFA), que têm uma administração independente e incluem muitas das entidades e organismos do chamado Estado paralelo (incluindo institutos, etc). E aqui os resultados são simplesmente desastrosos. Porquê? Porque o despesismo continua bem patente e de boa saúde, visto que tanto as despesas com o pessoal como as aquisições de bens e serviços continuam a aumentar. Sim, leu bem. A aumentar. A aumentar apesar dos cortes salariais e de toda austeridade que tem sido imposta às famílias e às empresas. É que, para este governo, há alguns poucos que estão imunes à austeridade. E os institutos e as outras entidades do nosso Estado paralelo são alguns dos que não têm sido forçados a fazer uma verdadeira austeridade.
Assim, e como podemos ver no gráfico abaixo, nos Serviços e Fundos Autónomos, as despesas com o pessoal aumentaram nada mais nada menos do que 12,4% nos primeiros 4 meses de 2011 em relação aos primeiros 4 meses de 2010. Algo como 81 milhões de euros:




O relatório da execução orçamental ainda argumenta que esta péssima tendência se deve em parte à ausência de informação de alguns hospitais. Talvez seja. Esperemos que sim. Daqui a uns meses veremos. 
Porém, o despesismo do nosso Estado paralelo não ficou por aqui. Os consumos intermédios (as aquisições de bens e serviços também cresceram) quase 140 milhões de euros, uma variação homóloga de 6%. Ou seja, a crise não existe para o nosso Estado.



Moral da história: o "histórico" resultado da execução orçamental de Abril deve-se a: 1) ao aumento da carga fiscal, 2) a aumentos extraordinários das receitas fiscais, à 3) “descida dos juros”, e aos 4) cortes de salários, que proporcionaram uma descida das despesas correntes, ainda que aquém do esperado.

Porém, a mensagem principal desta execução orçamental nem é
esta. A mensagem principal é que, infelizmente, o despesismo do nosso Estado continua bem e recomenda-se. O governo continua a dizer que a austeridade é igual para todos. O que esta execução orçamental mostra é que, mais uma vez, alguns são mais iguais do que os outros. Se há alguém a sentir na pele a austeridade dos últimos meses são as famílias, as empresas, os funcionários públicos e, agora, os reformados. O nosso Estado continua a comportar-se como se nada se passasse. Como se o Estado não tivesse também que mudar de vida. Enfim, uma vergonha.

6 comentários:

Anónimo disse...

Há realmente uma especulação ao euro e uma estratégia para acabar com esta moeda? É que tenho visto este argumento a circular entre os defensores (sim, é que ainda os há, e são muitos...) de Sócrates e do PS e do BE. As agências de rating são "agências de terrorismo financeiro"? Por que é que elas existem? e como se pode especular com o euro? É que tenho utiliado muitas das análises do Álvaro Santos Pereira, e dos dados que disponibiliza ao vulgar cidadão para refutar estes teses anti-capitalistas. Mas, como não sou enconomista, tenho dificuldades em refutar aquela que afirma que há uma estratégia para acabar com o euro a não ser através de observações de senso comum que não surtem o efeito desejado porque não são argumentos knock-out. Se o autor poder esclarecer este assunto no seu blogue, muito agradeço. Cumprimentos.

Francisco Domingues disse...

Caro professor,
A dramática pergunta continua: "Quem será capaz de pôr ordem e disciplina nesta bagunça e neste descalabro das despesas e também das estatísiticas falseadas a favor do incompetente executivo?" Vê em P. Coelho essa capacidade? Saberá ele rodear-se de pessoas competentes para o fazer? Não cederá ele aos boys do seu partido? Não será melhor um governo de independentes credíveis sem filiação partidária, de iniciativa presidencial?
É o que eu penso ser o melhor para Portugal. Então, num espírito patriótico, não vou votar para forçar o Presidente a um tal governo.

CCz disse...

Verdadeiro Serviço-Público.
Obrigado.

Guillaume Tell disse...

http://cachimbodemagritte.com/3013448.html

Enfim é isto a Esquerda em Portugal. Defende todos aqueles que não merecem e deixa os pobres de lado (mas obviamente diz o contrário).

Tomas disse...

Caro Álvaro,

Adoro o seu blog, (obrigado pelo serviço público que presta!) e ainda não tive tempo de comprar o livro, apesar de o andar a seguir nas tv's e rádios afins.

Mas acho que seria muito mais aconselhado manter os seus gráficos numa escala a partir do zero. O gráfico de SFA's é um bom exemplo. Quem vê parece que duplicou, quando na verdade foi um aumento de 12%. Um pouco ou nada enganador na dimensão (mas não na direcção). Acho que ficava-lhe melhor se mantivesse uma escala em 0, pois era mais claro o impacto real.

Cumprimentos

Anónimo disse...

É muito difícil concluir, desta especulação que vem atingido a dívida soberana de países como Portugal e a Grécia, que se trata de “um ataque especulativo” à moeda euro, por parte do dólar por receios de poder perder para aquela moeda a qualidade de moeda padrão mundial. E porque digo eu isto? Porque a maior parte da dívida pública daqueles países estar na posse de bancos e outras instituições financeiras da própria zona euro, o que atesta serem estes os seus maiores compradores no passado, no presente e no futuro e não bancos e fundos do “satânico” EUA.
A razão dos elevados juros cobrados na compra da dívida pública portuguesa radica no mais elementar dos motivos: o receio de que Portugal, devido à sua péssima “performance” económica e financeira, poder entrar a qualquer momento em incumprimento.
Creio mesmo que, enquanto a economia portuguesa não começar a crescer de uma forma robusta e sustentada, o regresso aos mercados será penoso, pois não é o resgate só por si, que eliminará aqueles receios. O perigo do incumprimento foi adiado, mas não eliminado.
Veremos o que trazem os próximos 2/3 anos e governo.