Já aqui falei várias vezes sobre o mito que a crise internacional foi a principal causa dos desequilíbrios da economia nacional. Não foi. A crise nacional já existia há quase uma década, e foi somente agravada pela crise financeira internacional. No entanto, e como o governo gosta de se vangloriar da sua gestão macroeconómica e fiscal no período que antecedeu a crise internacional, vale a pena olharmos para indicadores das finanças públicas nacionais entre o princípio de 2005 e 2008 para podermos perceber se o governo tem razão. É fácil mostrar que não tem.
Comecemos então pelos défices orçamentais. Para tal, o primeiro gráfico apresenta os dados da média do défice orçamental em percentagem do PIB em todos os países da União Europeia entre o início de 2005 e 2008. É visível que Portugal teve o terceiro pior défice orçamental médio entre 2005 e 2008. Pior que nós só a Grécia e a Hungria. Em claro contraste, países como a Espanha, o Chipre, a Holanda, a Bulgária, o Luxemburgo, a Suécia, a Finlândia, e a Dinamarca apresentaram um excedente orçamental médio durante esse período, e quase todos os restantes países da UE registaram défices orçamentais bastante inferiores aos nossos.
Média do Défice Orçamental na UE27, 2005-2008
Fonte: Eurostat
Porém, uma comparação internacional pouco abonatória não fica por aqui. Assim, se olharmos para a variação da dívida pública em percentagem do PIB entre 2005 e 2008, damos conta que Portugal foi o segundo país de toda a União Europeia que registou um maior aumento da dívida pública. Nesse período, pior que nós só a Irlanda. É igualmente notório que, em clara oposição ao que aconteceu em Portugal, muitos países europeus diminuíram drasticamente a sua dívida pública durante esse período. Saliente-se ainda que estes dados não incluem o aumento da dívida pública futura que foi feita em forma das parcerias público-privadas (PPPs). Relembre-se que o Estado só começa a pagar as rendas das PPPs aos privados passados 5 ou 10 anos, de modo que os pagamentos da construção das auto-estradas, hospitais, túneis, etc, só começarão a fazer-se sentir principalmente partir de 2013. Assim, fez-se a obra, mas não se pagou. Se tivessemos pago e estas despesas de investimento público tivessem sido registadas a partir da adjudicação da obra, Portugal teria sido facilmente o país onde a dívida pública mais teria aumentado entre 2005 e 2008.
Variação da dívida pública em percentagem do PIB, 2005-2008
Fonte: Eurostat
Moral da história: o excessivo despesismo deste governo já estava bem presente antes da crise intrernacional. Um despesismo que só não foi maior devido às sucessivas desorçamentações de despesas que foram denunciadas pelo Tribunal de Contas e pela UTAO, bem como devido ao mecanismo "milagroso" das PPPs que permite aos governos construir a(s) obra(s) sem que tenham de pagar um cêntimo por isso. Por isso, a crise internacional só veio aumentar os graves desequilíbrios que já estavam presentes na economia portuguesa antes de 2008 e só veio confirmar as tendências irresponsáveis e despesistas deste governo. Como o Banco de Portugal mencionou no seu relatório mais recente, atribuir a crise nacional à crise internacional é errado e é mera propaganda política.
3 comentários:
Estudo claro, pois baseado em dados claros. Não há dúvida: há que mudar de governo. Só me interrogo se o que aí parece vir - PSD + CDS - será capaz de pôr isto em ordem, comprometidos que estão, sobretudo o PSD com os caciques locais e corporativos. Gostaria muito mais de um governo de independentes não comprometidos com nenhum lobbie partidário. O presidente deveria ter uma palavra a dizer. Será capaz disso?
Parece-me que tenta, "à força toda", ser o próximo ministro das finanças (eleito pelo psd)..
Incrível como todos os comentários contra fazem insinuações e acusações levianas ao autor do texto. Entretanto, contra-argumentos bem fundamentados, "nicles".
Obrigado caro Professor pelo seu excelente trabalho. Isto é serviço público.
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