A melhoria dos indicadores da inovação nacionais são, sem dúvida alguma, uma boa notícia. Pelo menos em princípio (mais abaixo veremos o que poderá tornar estas notícias menos boas). E também acho que devemos que devemos reconhecer que esta melhoria dos indicadores da inovação se devem, pelo menos em parte, à maior aposta que tem sido dada a este sector nos últimos anos. Assim, é de assinalar que, de acordo com os dados mais recentes da OCDE, Portugal registou uma assinalável convergência em vários indicadores de ciência e de tecnologia, principalmente no que diz respeito às despesas em actividades de Investigação e Desenvolvimento (I&D) em percentagem do PIB. Como podemos ver no gráfico abaixo, nos últimos anos, Portugal parece ter convergido com a média da OCDE em termos de despesas com I&D em percentagem do PIB.
Despesas em actividades de I&D em percentagem do PIB, 1980-2009
Fonte: OCDE
Ainda assim, devo admitir que tenho muitas reservas sobre alguns destes indicadores e sobre estas melhorias alcançadas em tempo recorde. Mais concretamente, tenho bastantes dúvidas e poucas certezas relativamente aos nossos indicadores de Investigação e Desenvolvimento. Porquê? Porque não sei o que é realmente uma melhoria real e o que são meras manipulações estatísticas.
Porquê estas dúvidas? Como é que é possível proferir tais afirmações? Porque fiquei com um pé atrás em relação às estatísticas de I&D desde que, em 2009, ouvi Carlos Zorrinho afirmar numa conferência que antes deste governo nós nem contabilizávamos bem as despesas de Desenvolvimento. É sabido que cerca de dois terços das despesas em I&D são relacionam-se com o Desenvolvimento. Assim, se não houver uma contabilização correcta destas despesas, os indicadores de I&D são subavaliados. Por isso, uma contabilização mais adequada destas despesas fará aumentar o valor do I&D em percentagem do PIB, sem que haja um crescimento real destas despesas. Para quem quiser confirmar as afirmações de Carlos Zorrinho, pode fazê-lo aqui, principalmente a partir do 27m e 30s do video, onde se revela que antes de 2006 não se "registavam" bem as despesas de Desenvolvimento:
Ora, se a nossa "melhoria" dos indicadores estatísticos das actividades se deve a acertos estatísticos (como Carlos Zorrinho parece indicar), então das duas uma: ou a melhoria dos indicadores de I&D foram principalmente legadas pelos governos anteriores mas não tinham sido devidamente contabilizadas, ou a melhoria é mais aparente do que real.
Eu não digo que este governo não tem qualquer mérito em ter dado uma maior ênfase à questão da inovação. A verdade é que a aposta na inovação e na melhoria da produtividade é importantíssima e deve ser continuada pelo próximo governo. O que eu desconfio é que as melhorias dos indicadores de inovação não se possam atribuir à política iluminada e "modernizadora" deste governo. É que, sabendo o que se tem passado em outras áreas, é sempre muito difícil saber o que é realidade ou mera malabarismo estatístico. E este é, de facto, um dos tristes legados deste governo. Este é um governo que nos deixou à beira da bancarrota e que nos lega os piores indicadores económicos desde o século 19, mas que conseguiu fomentar toda uma série de "melhorias" que foram principalmente alcançadas à custa da contabilidade criativa. Apesar de todo o desastre económico, não há dúvida que a contabilidade criativa foi das (poucas) indústrias de grande sucesso no nosso país. As estatísticas de Investigação e Desenvolvimento aí estão para o provar. Infelizmente.
Eu não digo que este governo não tem qualquer mérito em ter dado uma maior ênfase à questão da inovação. A verdade é que a aposta na inovação e na melhoria da produtividade é importantíssima e deve ser continuada pelo próximo governo. O que eu desconfio é que as melhorias dos indicadores de inovação não se possam atribuir à política iluminada e "modernizadora" deste governo. É que, sabendo o que se tem passado em outras áreas, é sempre muito difícil saber o que é realidade ou mera malabarismo estatístico. E este é, de facto, um dos tristes legados deste governo. Este é um governo que nos deixou à beira da bancarrota e que nos lega os piores indicadores económicos desde o século 19, mas que conseguiu fomentar toda uma série de "melhorias" que foram principalmente alcançadas à custa da contabilidade criativa. Apesar de todo o desastre económico, não há dúvida que a contabilidade criativa foi das (poucas) indústrias de grande sucesso no nosso país. As estatísticas de Investigação e Desenvolvimento aí estão para o provar. Infelizmente.
10 comentários:
Se aumentou o investimento em I&D, então o número de patentes registadas deverá ter aumentado também!
Caro professor,
Parece um mistério, mas nem o Ministério das Finanças nem o Inst. Nac. de Estatística parecem saber a que contas anda este País e como é gasto o dinheiro dos nossos impostos. Como é que o Teixeira dos Santos, Prof. da Univ. do Porto, nestes anos todos de governo, não conseguiu fazer contas, não conseguiu inventariar todos os gastos e despesas, nem onde nem como? Que pensarão dele os seus alunos?
(A propósito, pagamos a partidos que se negam a encontrar/negociar uma solução para Portugal, neste momento de aperto: Bloco e PCP. Pior: Sendo Louçã prof. de Economia, ensinará ele aos seus alunos que as dívidas contraídas não são para pagar?!!!)
As despesas que qualificam sao qq tipo de investigacao - Nao necessariamente tecnologica ou que envolva qq tipo de tecnologia. Seria interessante a análise de quais as empresas que apresentaram despesas de I&D e com alguma certeza se verificaria que I&D é de facto desenvolvimento de produto e nao R&D como é assumida no modelo Anglo-saxonico.....
Eu partilho das suas dúvidas. Custa-me a acreditar que os privados estejam a investir em ID tanto quanto o Estado.
Além disso, disseram-me, mas não posso provar, que um Banco estava a considerar investimento em ID estudos efectuados por técnicos ao seu serviço que mais não faziam do que planeamento fiscal.
Sendo isso mentira ou não, também me interrogo sobre a maneira de conferir os dados fornecidos pelas empresas, mesmo sabendo que a classificação dessas despesas tem implicações fiscais e que deverão ser "conferidas" pelo aparelho fiscal do Estado. Estarão a fazê-lo?
Parece-me que o aumento do investimento será sem dúvida resultado de contabilidade criativa. Basta olhar para a "real" situação dos finaciamentos do estado português, via Fundação para a Ciência e Tecnologia, que voltou recentemente a não ter dinheiro para cobrir os vencimentos mensais dos bolseiros de investigação e que não consegue sequer abrir anualmente de forma concistente concursos para financiamento de projectos de investigação. Olhando ainda para os laboratórios financiados em diferentes concursos observa-se uma preocupante rotatividade na atribuição..como se desse umas vezes a uns e outras vezes a outros por forma a manter todos à tona.
Outro típico exemplo de má política em I&D por parte deste governo: Em nome de índices de desenvolvimento, nomeadamente número de investigadores por 10000 habitantes - a estatística mais uma vez!, abriu-se o concurso Ciência 2006/8 para contratação de 1000 doutorados para as Universidades e Laboratórios Associados. Este programa pressupõem o pagamento dos salários dos agora Investigadores Principais por parte da FCT nos 3 primeiros anos, sendo os restantes 2 anos de contrato da responsabilidade da Instituição empregadora. Até aqui tudo muito bem. Era uma medida bem pensada para esimular o desenvolvimento cientifico em Portugal. Dar oportunidade aos novos de desenvolverem as suas ideias, atrair investigadores portugueses no estrangeiro ou mesmo investigadores estrangeiros a radicarem-se em Portugal. Era uma boa ideia até se aplicar o dedo "tuga". A maior parte das vagas acabaram por ser preenchidas pela "prata" da casa, uma maneira de "arrumar" colaboradores directos ou membros do laboratório, alguns deles até donos de curriculuns mediocres, a maioria com CVs fracos, perdendo-se a oportunidade de injectar sangue novo na investigação portuguesa. Claro que em termos estatísticos Portugal deu um pulo! Já não está na cauda da Europa!..ou estará? É que esses mesmos 1000 Ciêcia 200X serão os professores universitários do amanhã...aqueles que formaram as nossas proximas gerações de cabeças pensantes..não lhes auguro grande futuro - às gerações futuras.
Tenho também a certeza que os custos salariais destes novos 1000 funcionários do estado - desengana-se quem pense que não são e que não o continuarão a ser ad eternum - deve ajudar na curva ascendente do investimento do estado em I&D.
PS: Note-se que entre os 1000 existem obviamente cientistas de valor que estaram a tentar desenvolver os seus programas científicos. Infelizmente serão a excepção e não a regra.
Além do provável malabarismo estatístico e contabilidade criativa onde estão os resultados do investimento em I&D?
Veja-se o que se passa no que respeita a patentes, por exemplo neste post: http://impertinencias.blogspot.com/2010/11/deixar-de-dar-graxa-para-mudar-de-vida.html
Álvaro,
a questão da inovacão é mais um embuste socrático. Sei-o por experiencia propria, como investigador universitário e como empreendedor.
Sabe que verbas foram alocadas para TODOS os projectos de investigacao na ultima call? 6 milhoes de euros. Um valor risível.
Criei uma empresa de base tecnológica com pessoas da universidade. Sabe que apoios tive? ZERO!
Este país vive de chavões. A verdade é bem diferente.
O mistério esta' explicado aqui:
http://a-ciencia-nao-e-neutra.blogspot.com/2009/07/despesa-nacional-em-i-e-o-misterio-do.html
"Sem desistir de esclarecer este insondável mistério, continuei a pesquisar e descobri o seguinte:
Em 2005 o Governo criou um louvável incentivo fiscal à I&D, o SIFIDE, que criou a possibilidade de generosos descontos no IRC aos gastos com I&D pelas empresas. Em 2007 uma intensa actividade de esclarecimento foi patente, inclusivé por organismos ligados ao Ministério da Tecnologia, sobre como contabilizar as despesas de I&D nas contas das empresas, e sabendo-se como a Banca é perita em explorar até ao tutano todas as ambiguidades fiscais que se lhe ofereçam...
O sucesso "estatístico" desta medida foi tal que, já este ano, o Governo reforçou os generosos descontos fiscais permitidos às despesas em I&D empresarial."
Já em 24 de Novembro último escrevi no meu blog (Será que os anjos têm sexo?):
«Investimento em Ciência e Tecnologia
Nos últimos dias temos ouvido e lido notícias que referem o aumento de investimento em ciência e tecnologia. No entanto, excepto uma notícia desenvolvida no Público, não tenho encontrado muitos pormenores que permitam avaliar até que ponto este aumento é notável. Uma referência no blog De Rerum Natura do Professor Carlos Fiolhais, "Investimento em Ciência e Tecnologia: o Público e o Privado", veio esclarecer-me melhor. Vale a pena ler.
Fiquei a saber que esta subida foi principalmente devida ao sector privado e que as empresas que mais contribuíram para este investimento em 2009 foram a Portugal Telecom, o BCP e o BPI. Talvez por deformação profissional, já que sempre trabalhei no sector químico e designadamente mais no farmacêutico, não tenho ideias precisas sobre que tipo de desenvolvimento científico façam os bancos e interrogo-me se esse desenvolvimento é exportável ou mesmo comerciável. Pode ser ignorância minha.
Mas o ponto fulcral está na interrogação de Carlos Fiolhais: «Agora bastará ver nas bases de dados internacionais (publicações e patentes; no caso das patentes não passamos da últimas posições!) para ver qual tem sido o volume de resultados da investigação científica e desenvolvimento dos cientistas e engenheiros que aí trabalham.» O meu interesse sobre as patentes, como expressão do resultado prático da investigação científica aplicada, leva-me a ter enorme interesse na resposta a esta questão. Os resultados mais recentes que consultei, é certo que já antigos, de 2007, põem Portugal, em número de patentes por milhão de habitantes, em 43.º lugar, depois da Malásia e da Turquia. Espero bem que o esforço referido em investimento em ciência e tecnologia se possa ter convertido em melhores resultados neste aspecto.»
absolutamente em sintonia com este post.
Obrigado a (Im)pertinências por referir o também interessante post "Deixar de dar graxa para mudar de vida", que apresenta dados que ajudam a compreender a questão.
PREOCUPEMO-NOS COM AS TARIFAS DA ELECTRICIDADE !!
O MOU - Memorando de Entendimento entre Portugal e a Europa (CE + BCE) e o FMI aponta para uma revisão da fiscalidade da electricidade - concretamente um acréscimo do IVA e a criação de impostos especiais (excise dutties) de acordo, aliás, com o exigido pela Directiva Europeia 2003/96/EC de 2003, mas nunca praticado pelo nosso Estado.
Neste acordo (MOU) não há qualquer referência ao mercado dos combustíveis, ao contrário do que diz respeito à electricidade (fiscalidade) e também ao gás. Se lermos o MOU vemos que aí até é referido que para a electricidade e para o gás é necessário introduzir alterações, nomeadamente mais concorrência. Quando se ouvem queixas de concertação nos preços dos combustíveis e falta de concorrência, a ausência de qualquer referência é significativa.
Na verdade, o real alto custo da nossa electricidade está escondido por um subsídio indirecto aos produtores mediante um IVA especialmente baixo.
Se compararmos o nosso IVA com o praticado pelos países da União Europeia a 27 a que pertencemos, excluindo os minúsculos (Luxemburgo, Chipre, Malta...), temos:
IVA pago nos países da União Europeia:
Espanha: 18%.
França: 19.6%.
Itália: 20%.
Áustria:20%.
Hungria: 20%.
Eslovénia:20%.
Grécia:13%.
Bulgária:0%.
Eslováquia:20%.
Chéquia:20%.
Alemanha:19%.
Polónia:23%.
Lituânia:22%.
Letónia:21%.
Estónia:20%.
Finlândia:23%.
Suécia:25%.
Dinamarca:25%.
Holanda:19%.
Bélgica:21%.
Irlanda: 13.5%;
Reino Unido: 5%.
Como se vê, países com IVA menor que o nosso (6%) são apenas a Bulgária e o Reino Unido para as famílias, e depois de nós vêm a Grécia e a Irlanda, já com valores de 13 e 13.5%. A grande maioria tem um IVA à volta dos 20%.
O excise que foi tornado obrigatório pela União em Directiva de 2003 destina-se a penalizar as fontes de electricidade emissoras de CO2, essencialmente o carvão e o gás natural, mas é muito baixo em todo o lado: o mínimo definido é 0,055ç/kWh.
Portugal, no entanto, é o único país da União que se esqueceu dessa taxa, ao mesmo tempo que se tem "esquecido" de eliminar a pré-histórica taxa de radiodifusão, que acarreta um encargo basicamente igual.
Para o consumidor corrente se, aos custos actuais, forem acrescidos os efeitos das novas tarifas criadas recentemente para remuneração do "serviço de potência" das hidroeléctricas e térmicas, a amortização parcial do défice tarifário e o IVA à taxa normal (23%), em vez da actual de 6%, os preços para os portugueses terão novos valores….maiores.
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