16 maio 2011

REFORMA DO MERCADO LABORAL

O plano de ajustamento elaborado pela troika contém quatro grandes reformas destinadas a ajudar a economia portuguesa a ficar mais produtiva e competitiva: a reforma das leis laborais, a desvalorização fiscal, a reforma da Justiça e uma política de concorrência mais eficaz. Por enquanto, só se falou (e mal) da desvalorização fiscal. Infelizmente, o governo decidiu fazer demagogia política  com a proposta da troika de baixar as contribuições sociais dos empregadores em contrapartida a uma descida das despesas públicas e a um aumento dos impostos ao consumo, nomeadamente no que diz respeito às taxas reduzidas do IVA. E foi assim que a proposta que o próprio FMI considera ser a medida central para estimular a competitividade das nossas exportações foi lamentavelmente utilizada pelo governo como arma de arremesso político, como se não tivesse sido o próprio governo a assinar o documento. Enfim, o habitual de um governo sempre mais interessado na demagogia política do que no interesse nacional. 
Ainda assim, e dado o inequívoco entusiasmo do FMI sobre a necessidade de efectuarmos uma desvalorização fiscal, arrisco-me aqui a fazer uma previsão. Independentemente da composição do próximo governo, é mais do que certo que a desvalorização fiscal vai ser feita. É inevitável. E mais: a desvalorização fiscal vai ser substancial, assim como refiro no meu livro. Nas palavras do documento da troika, será uma "major reduction" da taxa social única. E "major" em inglês quer dizer "substancial" ou "muito significativa". Não quer dizer pequena ou reduzida. Se não o for, não vale a pena. É essa a vontade do FMI e é essa a melhor possibilidade que temos para fazer aumentar rapidamente a competitividade das nossas exportações. Por isso, argumentar como faz o governo de que uma "major reduction" é de 1% ou menos da TSU é um perfeito disparate e mais uma manobra de propaganda deste governo populista.
No entanto, e para além da desvalorização fiscal, uma das medidas que decerto será implementada nos próximos tempos é a reforma do mercado de trabalho. Nesta área, os meios de comunicação social prestaram mais atenção às alterações referentes ao subsídio de desemprego, mas menos à questão da liberalização das nossas leis laborais. E esta questão é fundamental, pois é sabido que Portugal tem as leis laborais mais rígidas de toda a OCDE. É exactamente isso que podemos ver no gráfico abaixo, que apresenta o índice de protecção laboral utilizado pela OCDE, e que varia entre os valores de 0 para os países onde existe menos protecção laboral e 6 para os países com mais protecção do trabalho. É perfeitamente visível que Portugal é o país da OCDE que tem, de longe, o maior índice de protecção laboral, com valores bem acima do todos os outros países. É igualmente interessante verificar que os países que têm Estados Sociais fortes têm índices de protecção laborais bastante reduzidos. A razão é simples: uma menor rigidez no mercado do trabalho é absolutamente essencial para uma maior criação de emprego e para combater uma maior precariedade do trabalho. No meu novo livro explico com algum detalhe as razões que explicam estas relações.
Ora, em claro contraste, e como vários estudos empíricos demonstram, o nosso mercado de trabalho é muito disfuncional, oferecendo níveis de protecção demasiado elevados para os trabalhadores efectivos, mas fomentando uma excessiva precariedade do emprego para os trabalhadores não efectivos. Ou seja, há direitos adquiridos para os trabalhadores efectivos, mas há muitos poucos direitos para todos os restantes trabalhadores. E é aqui que se encontram algumas das reformas propostas pela troika. No fundo, pretende-se acabar com estas enormes assimetrias que existem no mercado de trabalho português, enquanto se tenta fomentar um maior dinamismo e uma maior criação de emprego. Uma maior criação de emprego significa uma redução do desemprego, combatendo-se assim a maior chaga social dos nossos dias.
É isso que irá ser feito no mercado de trabalho nos próximos anos. Ao fazê-lo, a nossa economia ficará mais dinâmica e produtiva, as nossas exportações ficarão mais competitivas, e haverá mais criação de emprego e menos desemprego. E todos teremos a ganhar com isso.

Indíce de protecção do emprego (0 para menos protecção, 6 para mais protecção) na OCDE
Fonte: OCDE

Documento da troika sobre as reformas laborais:
"Reforms will focus on creating new jobs, not least for the young. We must address the fundamental problems that impede the efficient transition of workers across occupations, firms and sectors and create socially unfair privileges. To this end, in consultation with our social partners, we will adopt the following measures:
• Reform employment protection legislation to foster flexibility and improve equity. We will align severance payments for open-ended and fixed-term hires, submit legislation reducing severance payments for all new contracts to 10 days per year of tenure, with an additional 10 days financed out of employers’ financed fund by September 2011, and present a proposal to revise severance payment entitlements for current employees in line with the reform for new hires by end-2011, without reducing accrued-to-date entitlements. As a further step, by end-March 2012, we will prepare a proposal to align the level of severance payments to the EU average, while at the same time amending the dismissal fund in a way that allows the portability of worker’s entitlement to severance pay. We will prepare by end-December 2011 a proposal aimed at introducing adjustments to the cases for fair individual dismissals.
• Revise the unemployment insurance system to change incentives, increase employment, and strengthen social safety nets. We will reduce the maximum duration of unemployment insurance benefits to no more than 18 months, and cap unemployment benefits at 2.5 times the social support index and introduce a declining profile of benefits after six months of unemployment (a reduction of at least 10 percent in benefits), without reducing accrued-to-date entitlements. To extend social safety nets, we will reduce the necessary contributory period to access unemployment insurance from 15 to 12 months, and present a proposal to extend eligibility for clearly-defined categories of self-employed. Training opportunities will be strengthened, especially for the low-skilled.
• Ensure that labor costs support job creation and competitiveness. Over the program period, any increase in the minimum wage will take place only if justified by economic conditions and agreed in the context of regular program reviews.
• Define clear criteria for the extension of collective agreements, including the representativeness of the negotiating organizations and the implications of the extension for the competitive position of non-affiliated firms. To promote wage adjustments in line with productivity at the firm level we will (i) allow works councils
to negotiate mobility conditions and working time arrangements; (ii) reduce the threshold below which works councils or other workers organizations cannot conclude firm-level agreements to 250 employees per firm; and (iii) include in sectoral collective agreements conditions under which works councils can independently conclude firm-level agreements.
"

3 comentários:

Pedro Teixeira disse...

A este propósito, creio haver ainda em Portugal um grande tabu relativamente à protecção laboral, vinda dos muitos mitos criados no 25 de Abril e que persistem na sociedade portuguesa como "verdades absolutas". Por isso qualquer tentativa de mudar a lei laboral, para tornar de facto o mercado mais funcional, e igualitário é facilmente utilizada com demagogia para ganhar votos.

A "sabedoria popular" é clara e alguns partidos aproveitam-se dessa ignorância: "facilitar os despedimentos significa aumentar o desemprego". É uma narrativa demagógica e muito fácil de acreditar. Ter um mercado de trabalho que não funciona, não se regenera, cria 2 mercados paralelos em consequência (os muito protegidos, e os precários), e que em suma é um factor de descompetitividade nacional, é mais fácil de explicar ao comum dos portugueses com 4a classe, do que toda a narrativa do funcionamento e desenvolvimento do mercado de trabalho para criação de riqueza, aumento da produtividade.

Infelizmente, temos visto que mesmo os partidos que apoiam esta flexibilização, têm sido incapazes de explicar as reais vantagens de ter um mercado de trabalho que funciona. Ao não o fazerem, estão totalmente expostos à narrativa demagógica.

AG disse...

Excelente post. Mas tenho dúvidas que um Governo liderado pelo PS tenha vontade política de avançar com tais medidas tão óbvias e necessárias.

jvcosta disse...

Caro ASP,
Creio que está a haver grande confusão acerca dos documentos que consagram o acordo, como escrevi. Há um MoU com a "troika", que não fala de TSU. Depois, foi revelado um outro memo, que parece ser uma listagem de medidas políticas e económicas da iniciativa do governo. O BE afirmou que este segundo memo é uma carta de intenções para o FMI. Ninguém sabe ao certo.
Talvez ASP possa contribuir para esclarecer este imbróglio, na medida em que, neste post, transcreve como "documento da troika" (sic) parte do tal segundo memo, aparentemente do governo. Portanto, para ASP, o documento não é só um memo descritivo de iniciativa governamental nem, como diz o BE, uma carta de intenções só para o FMI. Para ASP é da troika. Então há dois MoU com a mesma troika, este e o "Memorandum of understanding on specific economic policy conditionality"?