11 maio 2011

PREÇO DOS TRANSPORTES

Uma das medidas do programa de ajustamento proposto pela troika que irá ter um impacto significativo nos bolsos de muitos portugueses relaciona-se com a reorganização do sector dos transportes públicos. Nomeadamente, o plano de ajustamento prevê uma  actualização dos preços dos transportes públicos, bem como  uma grande reestruturação do sector. Esta reestruturação é simplesmente inevitável e inadiável, embora, infelizmente, tanto o governo, como a nossa imprensa tenham dedicado muito pouca atenção a este importante assunto. Ou seja, mais uma vez, continuamos a preferir discutir temas mais ou menos secundários, em vez de nos concentrarmos nos assuntos que realmente irão ter um impacto na vida das pessoas. Assim, esperemos que nos próximos dias as coisas mudem e a imprensa (e a oposição) pergunte ao governo o que é que o acordo com a troika irá implicar para a vida das pessoas que utilizam os transportes públicos. 
Ora, para podermos perceber o problema que temos nas mãos, vale a pena dar uma vista de olhos aos preços praticados pelas empresas de transportes, bem como para as dívidas do sector. Comecemos com os preços. Neste sentido, o gráfico abaixo é bastante revelador de muitos dos problemas que afectam o sector. Mais concretamente, o gráfico dá-nos a receita média por passageiro dos transportes urbanos em Lisboa entre 1976 e 2010 (linha a vermelho), bem como a receita média por passageiro que seria possível se os preços dos transportes tivessem sido ajustados à inflação (linha a preto). Ou seja, a linha a preto indica quanto é que os preços (receitas) deveriam ter crescido só para acompanhar a subida da inflação. Como é perfeitamente visível, a diferença entre as duas linhas é abismal. Ou seja, nas últimas décadas (repito, décadas) houve uma política deliberada de não actualizar os preços dos transportes públicos à taxa de inflação, o que fez com que as receitas médias reais por passageiro tenham descido brutalmente. Num determinado ano, a não actualização dos preços à taxa de inflação pode não fazer muita diferença. Porém, a ausência continuada destas actualizações tem sido verdadeiramente catastrófica para as empresas do sector. Não é assim de estranhar que as empresas públicas de transportes nas grandes cidades se encontrem praticamente insolventes e as suas dívidas sejam simplesmente insustentáveis.
Só para termos uma dimensão do problema, vale a pena referir que, actualmente, as dívidas das empresas de transportes já totalizam mais de 12 mil milhões de euros, ou algo como uns incríveis 7% do PIB nacional. Estas dívidas destas empresas públicas não entram (por enquanto) para as contas da nossa dívida pública, a qual já é a maior dos últimos 160 anos, mas nem sequer contabiliza o endividamento destas empresas.

Receita Média por passageiro _1976-2010
Fonte: Relatórios de Contas, Carris

Deste modo, uma das apresentações mais interessantes que vi ultimamente sobre o sector foi feita pelo presidente da Carris, Manuel Silva Rodrigues, que mostrou exemplarmente a insustentabilidade da situação actual das empresas dos transportes. Como ele referiu nessa ocasião, as dívidas das empresas do sector são de tal modo elevadas que nem mesmo uma actualização drástica dos preços dos transportes e/ou uma gestão muito criteriosa por parte das empresas de transportes serão suficientes para garantir a sustentabilidade de muitas destas empresas. 
Qual é a solução? A única solução passa pela absorção das dívidas antigas das empresas dos transportes por parte do Estado e começar do "zero". Por outras palavras, a única opção realmente viável passa por adicionar os passivos das empresas de transportes à dívida pública e, ao mesmo tempo, levar a cabo uma actualização dos preços praticados, bem como efectuar uma reestruturação das empresas que permita uma redução dos custos operacionais. Faz sentido esta solução? Sim, porque a insustentabilidade das dívidas das empresas dos transportes é principalmente culpa dos governos, que têm permitido e até fomentado a não actualização dos preços praticados, preferindo subsidiar ou efectuando indemnizações compensatórias para as empresas do sector em vez. Porquê? Porque o sector dos transportes tem sido (e bem, digo eu) uma autêntica política social. O problema é que os governos foram longe demais nesta política social ao permitirem não só que o sistema de preços seja extremamente complicado (só na região de Lisboa, há cerca de 500 tarifas diferentes para os diversos utilizadores...), mas também ao não permitirem uma actualização mais realista (e sustentável) do nível dos preços. 
Obviamente, nem os subsídios nem as indemnizações são grátis, visto que são financiadas com mais impostos. Ou seja, quem paga são todos os contribuintes em vez dos utentes dos transportes públicos. E, por isso, no futuro, vale mais subir os preços médios (e simplificar o sistema), enquanto se subsidiam os utentes com menos recursos. O plano da troika vai em parte neste sentido.
Em parte, os ajustamentos efectuados pelo Eurostat nos últimos meses já vão no sentido de incorporar esta gigantesca dívida destas empresas do Estado no seio da nossa dívida pública. Nos próximos tempos, decerto que esta tendência vai ser continuada e até acelerada. Isto é, não falta muito para que as dívidas destas empresas públicas sejam contabilizadas na dívida pública alargada.
Mas, as consequências da reestruturação do sector dos transportes não vão ficar por aqui. As propostas da troika já apontam para a privatização de algumas empresas do sector, bem como uma actualização dos preços. No entanto, e por incrível que pareça, ninguém ou quase ninguém fala disso. Ninguém ou quase ninguém questiona como é que este governo e os governos que o precederam permitiram que chegássemos a esta situação de ruptura total neste importante sector.
Ora, de uma coisa podemos estar certos: independentemente de quem formar o próximo governo, os preços dos transportes públicos vão subir. E bastante. É provável que a subida dos preços seja gradual, mas certamente que nos anos vindouros, o aumento dos preços dos transportes vai ser bastante superior à inflação. Infelizmente, mais uma vez, serão os utentes e contribuintes presentes a pagar pelos erros e pelo populismo do passado. Nada de novo, portanto.

6 comentários:

Gonçalo disse...

Claro que faltará referir que serão todos os Portugueses a pagar por serviços consumidos por apenas alguns, abaixo (bem abaixo) do custo real.
A pergunta será: quem ganhou com a situação (para além dos administradores, taxistas e bancos que emprestaram o dinheiro)?
Os governantes que ganharam eleições e os utentes, a maioria em zonas mais ricas do país.
Uma distorção na aplicação de recursos públicos que deve ser avaliada...
É que as empresas de transportes de uso diário (em questão) só existem nas grandes cidades onde vivem os mais ricos do País. Esses usufruíram, os outros vão pagar.
O resto do País (que vai assumir a dívida) deveria fazer um MEMORANDO. Onde impunha que as empresas em questão passassem a apresentar tarifários que cubram, sem excepção, todas as despesas. Ponto final.

António Parente disse...

o problema das privatizações das empresas de transportes é que depois de privatizadas vão querer uma renda do Estado.

Há umas semanas um dos membros de um movimento da sociedade civil defendia a privatização dos serviços de saúde e acrescentava que depois seriam sustentáveis desde que o Estado comparticipasse no pagamento das despeas dos utentes que os utilizassem.

É um desporto nacional ter um subsídio ou renda do Estado, mesmo sendo um privado defensor da livre iniciativa. É um drama que me parece não ter solução.

Ricardo disse...

É lamentável que haja tanta preocupação em ajustar os preços à taxa de inflação, em vez de os ajustar aos rendimentos do país e dos seus cidadãos.
Não sou economista, mas é-me fácil perceber que os tarifários dos transportes públicos de Lisboa são pouco adequados e competitivos. Quem tenha de apanhar vários meios de transporte público, não só perde imenso tempo, como também tem custos elevadíssimos.
Num país onde a maior parte dos cidadãos pensa que ter automóvel particular é um direito constitucional, isto faz com que os transportes públicos não sejam opção para muita gente.
Assim, em vez de se olhar para a receita por passageiro, devia olhar-se para o custo por passageiro. Uma verdadeira política de incentivo à utilização dos transportes públicos, faria aumentar o número de passageiros, aproveitando melhor a capacidade instalada.
Infelizmente, somos o único país da europa em que os kms de auto-estradas crescem muito mais do que os kms de via férrea, mostrando claramente que não há qualquer aposta séria nos transportes públicos.
Para finalizar, não posso deixar de frisar que esse mesmo presidente da Carris aprovou a renovação da frota de automóveis ao serviço de alguns quadros da empresa (entre os quais, ele próprio). Parece-me a mim que, independentemente do peso que esta renovação possa ter nas contas da empresa, em altura de crise todos devem apertar o cinto.

Carlos Capitão disse...

Professor: Quando tiver oportunidade gostava que comentasse, sobre o assunto, estes dois aspectos:
1. Segundo o Tribunal de Contas, o METRO do Porto, por cada passageiro que transporta na linha da Póvoa-Porto (Trindade) perde dois euros;
2. Segundo o Dr. Nunes da Silva, Vereador da Câmara de Lisboa, prof. universitário e especialista em transportes, o preço dos bilhetes na CP e nos METROS estão muito abaixo do preço de custo; mas se fosse tomada a decisão de aumentar os preços para o necessário, de maneira a que essas empresas tivessem exercícios equilibrados, então o preço dos transportes públicos ficariam tão elevados que, provavelmente, sereia mais barato viajar em transporte particular.
Fico, pois, a aguardar os seus comentários.
Antecipadamente grato.

Diogo Rocha Coelho disse...

O meu ponto de vista vai também neste sentido. Se os valores do transporte público aumentarem, deixam de competir com o carro individual. Penso que devem ter despesa, pois o objectivo não é dar lucro mas desempenhar uma função social. Isso não quer dizer que a despesa tenha de ser tão ELEVADA! Penso que a solução passa por uma melhor gestão dessas empresas, o que é difícil de avaliar... ou seja... sobra para quem? yeah...u guessed...

Carlos Melo disse...

Temos que ser equilibrados nesta matéria, pois sabemos que aumentar drasticamente os preços dos transportes públicos terá, muito provavelmente, como efeito colateral estimular o recurso ao transporte individual (automóvel) e o consequente aumento das importações de petróleo.
O preço dos transportes públicos tem que entrar em linha de conta com este factor.
Por outro lado, o artigo não nos elucida sobre se caso o preço dos bilhetes tivesse sempre acompanhado a inflação, a situação financeira das empresas públicas de transportes estaria hoje equilibrada. Só dispondo dos números exactos do passado se pode fazer esta retrospectiva com precisão. É possível que sim, que a grande responsabilidade pela criação da dívida seja esse desajuste, até porque, tanto quanto julgo saber, as empresas públicas de transportes não parece terem estes problemas. São certamente lucrativas, senão já teriam falido.
Porém, não devemos pôr de parte a hipótese da Carris, citada no artigo, ter custos de exploração excessivos, que também possam ter contribuído para a sua elevada dívida (em geral as empresas públicas tendem a descuidar-se nesta matéria, pois sabem que por trás têm sempre o Estado a ampará-las).
Creio que se teria evitado esta situação de quase bancarrota se parte, ou mesmo a totalidade, do imposto adicional sobre os automóveis (IVVA) ou sobre o petróleo, tivesse sido direccionado para as empresas de transportes colectivos, como compensação pelo seu serviço público, sem prejuízo duma maior liberdade no ajustamento anual dos preços à inflação.
Já agora convém não misturar neste caldeiro empresas tipo METRO. Nestas a dívida incorpora também os custos com a implementação das linhas. Que seria das empresas de transportes privados se tivessem que ser elas a pagar directamente a construção das vias em que circulam?