09 maio 2011

DESVALORIZAÇÃO FISCAL

Um dos elementos centrais do pacote de ajustamento proposto pela troika consiste na chamada desvalorização fiscal, na qual se dá uma descida das contribuições sociais pagas pelos empregadores (a taxa social única) em contrapartida de uma descida das despesas públicas e de uma maior harmonização das várias taxas do IVA. De acordo com a troika, esta é uma medida absolutamente essencial para promover uma maior competitividade das nossas exportações, tendo assim sido defendida veementemente pelo chefe da delegação do FMI.
A lógica da desvalorização fiscal é simples: nos últimos anos, um dos factores que mais afectou a competitividade das exportações portuguesas foi o agravamento dos custos unitários do trabalho, que subiram bem mais do que na Zona Euro. Por isso, se quisermos que as nossas exportações fiquem mais competitivas, não temos outro remédio que não seja diminuir estes custos. Ora, como os custos unitários do trabalho dependem da evolução da produtividade e dos custos laborais, uma melhoria da competitividade necessita não só que nos tornemos mais produtivos, mas também que efectuemos uma redução dos nossos custos do trabalho. Como ganhos significativos de produtividade só são possíveis a médio e longo prazo (pois dependem, entre outras coisas, da melhoria do capital humano), resta-nos diminuir os custos laborais. E aqui temos duas possibilidades: ou cortamos salários ou arranjamos uma outra maneira de baixar estes custos. Como poucos desejam cortes salariais, só ficamos com uma alternativa: a chamada desvalorização fiscal.
O mecanismo desta desvalorização é simples: Como as contribuições sociais fazem aumentar os custos dos empregadores, uma descida da taxa social única corresponde a uma redução dos custos laborais para as empresas exportadoras. Assim, as nossas exportações ficam mais competitivas e atractivas nos mercados internacionais, o que faz aumentar a procura externa. Mais exportações significa mais produção nacional, bem como um aumento do emprego e uma correspondente descida do desemprego. Ou seja, a desvalorização fiscal permite um combate contra a maior chaga social que temos (o desemprego), bem como uma redução do défice externo (pois exportamos mais) e do próprio endividamento externo.
Por isso, no contexto do euro, a desvalorização fiscal é absolutamente fundamental para recuperarmos a competitividade perdida e para conseguirmos uma retoma económica sustentada. É exactamente por isso que a desvalorização fiscal é uma das propostas centrais do plano de ajustamento da troika, e tem sido defendida vigorosamente pelo FMI.

Porém, pelo que parece, esta não é a opinião do governo.  Assim, ontem ouvimos representantes do partido deste governo a criticar a desvalorização fiscal, pois, segundo estes, a descida das contribuições sociais poderia pôr em causa a sustentabilidade da Segurança Social. Foi assim que ficámos a saber que, apesar das inúmeras desorçamentações e do descalabro das execuções orçamentais dos últimos anos, afinal o governo sabe fazer contas melhor do que o FMI, o BCE e a Comissão Europeia, que defendem a implementação desta medida. 
Pois muito bem. Mas se é assim, e como o governo parece discordar de uma medida central do pacote da troika, interessa perguntar: Será que o partido do governo tenciona renegar outras medidas da troika? Será que o partido do governo pretende firmar um acordo com a troika para depois não o implemenar? Será que irá negar-se a fazer a reforma do Estado proposta pela troika? Será que a reforma da lei laboral proposta pela troika é também para ficar na gaveta? 
E, já agora, por que é que a reforma do mercado de trabalho proposta pela troika é aceitável para este governo, mas não a desvalorização fiscal? Por que será que este governo está tão relutante em implementar esta medida tão importante para a competitividade das nossas exportações? Será preferível continuar a alimentar o despesismo dos últimos anos com recurso à subida de impostos? Será que este governo continua a insistir que não temos um problema de competitividade?
Neste sentido, seria bom que os representantes do actual governo nos esclarecessem sobre estas questões e que, em seguida, informassem a troika quais são as outras medidas que pretendem renegar do acordo alcançado. E, já agora, seria ainda importante que nos indicassem que medidas de competitividade alternativas propõem para o país. É que nos últimos 6 anos não vimos nada. E os resultados estão bem à vista: um défice da balança corrente acima dos 9% do PIB todos os anos entre 1999 e 2008 (isto é, um défice externo crónico bem antes da crise internacional ter eclodido) e um endividamento externo explosivo e insustentável. E se este é o legado da competitividade deste governo, por que é que nos haveríamos de espantar com a oposição a uma política de competitiva alternativa?

10 comentários:

Carlos Pereira disse...

Parece que preferem a sustentabilidade da Segurança Social em detrimento do aumento das exportações. Seria óptimo que se aumentassem as exportações mesmo que para isso tivesse que se ajustar algumas regalias sociais dos trabalhadores. É necessário aumentar a produção e a produtividade com o devido escoamento para a exportação.

Carlos Pereira

Silvino Potencio disse...

De: Silvino Potencio (Emigrante Transmontano em Natal/Brasil)

Entro aqui no seu espaço pela Mão do Amigo Comum Alvaro de Jesus, que já me levou a outros Blogs, outras paginas da Lusofonia.
Concordo em absoluto com a sua linha de pensamento em relação aos (des) mandos dos donos do poleiro - já nem coragem tenho para dizer "governantes"... lá da Santa Terrinha.
Na minha modesta contribuição à Lusofonia tambem eu escrevo em Blogs e Paginas mas, confesso, de forma bem subrepticia e porquê?... Quem me lê sabe porquê mas eu resumo nisto: yo no creo en brujas, pero que las hay es berdad!!!
Abraço forte e até breve...
Ah sim... crônicas alusivas a estes temas são publicadas no meu Blog http://osnizcaros.blog.pt
Silvino Potêncio
www.potencio.multiply.com

Infinitozero disse...

Volto aqui a repetir uma questão colocada num dos seus textos anteriores, e que gostaria de ver esclarecida.
Sendo verdade que Portugal é um dos países com maior crescimento no custo de trabalho, também é verdade que este custo é um dos mais baixos da europa (dados do Eurostat e OCDE). Parece-me por isso que este factor não deveria ser a causa que justifique a fraca capacidade de exportação, nem o desiquilibrio no défice da balança corrente. Sendo eu leigo em enconomia, gostava que o Sr Alvaro ou algum leitor me explicassem este paradoxo.
Obrigado.

Manuel Vilarinho Pires disse...

Para poder analisar esta questão, a pergunta a que previamente um economista deveria ser capaz de responder é quanto têm de baixar os custos salariais em Portugal para recolocar a economia numa situação competitiva, ou seja, com aumento da produção, do emprego e do balanço entre exportações e importações.
É que se a resposta for de, vá lá, até 5%, este "truque" da redução da TSU é capaz de dar conta do recado, pese embora que, a não ser que seja compensado por transferências do OGE, pode mesmo danificar a sustentabilidade da Segurança Social.
Mas se o ajustamento necessário nos custos for de 20%, por exemplo, não se chega lá pela TSU e daqui a alguns meses ou anos estamos de novo na estaca zero.
Porque é tão discreta a defesa da hipótese de redução generalizada de salários?
É porque se é por ser desnecessária para inverter a recessão, até pode ter sentido, mesmo se pudesse remover uma das injustiças das medidas adoptadas até agora, a redução de apenas alguns salários e pensões.
Se é necessária, não há pior do que fingir que não é por cobardia política. Porque se há medida que só possa ser implementada com sucesso se for consensualmente aceite como indispensável, é esta. E, por dura que seja, há bons argumentos para a consensualizar. Mas apenas se for discutida de forma transparente. Nomeadamente como a via para reduzir o desemprego. Se se vier a revelar indispensável daqui a uns meses ou anos de sacrifícios dará origem a uma catástrofe, porque então ninguém acreditará nela nem nos seus proponentes (agora calados) e será apenas vista como mais um ataque, com violência redobrada, à algibeira de quem vive do trabalho.
Economistas corajosos, precisam-se!
Isto para lhe perguntar se tem uma ideia de quanto deveria ser a redução dos custos salariais para inverter sustentadamente a recessão?
Cumprimentos

Guillaume Tell disse...

Se a ideia de diminuir a TSU é uma excelente ideia para diminurmos os custos unitários do trabalho, não seria também bom arranjar uma maneira de dimiuirmos o custo da energia (tipo liberalizando o comércio de combustível, e acabar com o monopólio da Galp sobre a rafinação) que é um dos principais factores dos custos unitários do trabalho?

Marinho Osório disse...

Já se esqueceu o que escreveu no seu livro? (página 368)

«[...] não seria totalmente surpreendente se houvesse a tentação de efectuar uma desvalorização fiscal às prestações, em vez de fazer logo uma descida substancial da taxa social única em 10 ou 20 pontos percentuais. Porquê? Para tentar minimizar as eventuais surpresas negativas no défice orçamental se as coisas não corressem de feição. Contudo, penso que uma tal estratégia seria altamente contraproducente por dois motivos. Primeiro, a desvalorização só valerá a pena se for substancial. Baixar a taxa social única 1 ou 2* pontos percentuais não vale a pena e pode até ser contraprodutivo, pois os parcos ganhos de competitividade certamente não compensariam o eventual descontentamento provocado pela subida do IVA. Segundo, a desvalorização fiscal só terá algum impacto se for substancial e efectuada em uma ou, no máximo, duas vezes. Tentar fazê-lo a conta-gotas retiraria toda a força da medida, pois só com uma desvalorização significativa se poderão alterar as expectativas dos agentes económicos de que o governo está a levar a cabo uma política de competitividade agressiva e não uma mera maquilhagem fiscal»

Anónimo disse...

«[...] não seria totalmente surpreendente se houvesse a tentação de efectuar uma desvalorização fiscal às prestações, em vez de fazer logo uma descida substancial da taxa social única em 10 ou 20 pontos percentuais. Porquê? Para tentar minimizar as eventuais surpresas negativas no défice orçamental se as coisas não corressem de feição. Contudo, penso que uma tal estratégia seria altamente contraproducente por dois motivos. Primeiro, a desvalorização só valerá a pena se for substancial. Baixar a taxa social única 1 ou 2* pontos percentuais não vale a pena e pode até ser contraprodutivo, pois os parcos ganhos de competitividade certamente não compensariam o eventual descontentamento provocado pela subida do IVA. Segundo, a desvalorização fiscal só terá algum impacto se for substancial e efectuada em uma ou, no máximo, duas vezes. Tentar fazê-lo a conta-gotas retiraria toda a força da medida, pois só com uma desvalorização significativa se poderão alterar as expectativas dos agentes económicos de que o governo está a levar a cabo uma política de competitividade agressiva e não uma mera maquilhagem fiscal».

Álvaro Santos Pereira, no seu livro "Portugal na Hora da Verdade" (p.368)

Sousa Mendes disse...

Porque não publicar isto em vez do post? Desvaloriza a proposta do PSD?
«[...] não seria totalmente surpreendente se houvesse a tentação de efectuar uma desvalorização fiscal às prestações, em vez de fazer logo uma descida substancial da taxa social única em 10 ou 20 pontos percentuais. Porquê? Para tentar minimizar as eventuais surpresas negativas no défice orçamental se as coisas não corressem de feição. Contudo, penso que uma tal estratégia seria altamente contraproducente por dois motivos. Primeiro, a desvalorização só valerá a pena se for substancial. Baixar a taxa social única 1 ou 2* pontos percentuais não vale a pena e pode até ser contraprodutivo, pois os parcos ganhos de competitividade certamente não compensariam o eventual descontentamento provocado pela subida do IVA. Segundo, a desvalorização fiscal só terá algum impacto se for substancial e efectuada em uma ou, no máximo, duas vezes. Tentar fazê-lo a conta-gotas retiraria toda a força da medida, pois só com uma desvalorização significativa se poderão alterar as expectativas dos agentes económicos de que o governo está a levar a cabo uma política de competitividade agressiva e não uma mera maquilhagem fiscal».

Álvaro Santos Pereira, no seu livro "Portugal na Hora da Verdade" (p.368)

Guillaume Tell disse...

Muito bem, mas que medidas para baixar o custo da energia (que é um factor importante nos custos unitários do trabalho)?

Anónimo disse...

"E aqui temos duas possibilidades: ou cortamos salários ou arranjamos uma outra maneira de baixar estes custos. Como poucos desejam cortes salariais, só ficamos com uma alternativa: a chamada desvalorização fiscal."

Mentira!
Cortar salarios = custo para os trabalhadores.
Desvalorização fiscal = custo para o estado.

Nao faltara aqui um elemento? Hum, trabalhadores, estado, o que falta aqui?
Nao serao as empresas? Nao havera forma de imputar custos as empresas?
Que tal diminuicao das margens de lucro?