12 maio 2008

PORTUGAL ULTRAPASSADO

PIB por habitante em paridade de poder de compra (UE = 100)
Dados do Eurostat (2005), PIB per capita em paridade de poder de compra
A nossa obsessão com os rankings não tem limites. Recentemente, fez furor entre nós a notícia do Diário Económico que a Estónia e a Eslováquia iriam ser mais ricas do que nós em 2009. Oh, infortúnio de país!, lamentaram-se muitos. Oh, miseráveis que nós somos!, queixaram-se outros. Estaremos condenados a ficar confinados mais uma vez à infame "cauda da Europa"? Se os gregos, os checos, os malteses, os cipriotas e agora os estónios e os eslováquios nos "ultrapassaram", então é só uma questão de tempo para que os restantes países da União Europeia o façam também. Estamos arruinados!, vaticinaram uns. Não prestamos para nada!, ajuizaram outros. Que país será este que não presta para nada?, questionaram ainda outros.
^
Ora, perante semelhantes factos, parece que não há argumentos. Ou, será que não? Vejamos então o que os dados nos dizem.
Em primeiro lugar, interessa sublinhar que os rankings não servem para nada ou quase nada. Suponhamos que estávamos a crescer a 5 por cento ao ano. Suponhamos também que a Eslováquia e a Estónia estariam a crescer a 7 por cento ao ano. Neste caso, Portugal seria também "ultrapassado" por estes países, e assim surgiriam os habituais profetas da desgraça a augurar o fim do país ou a espanholização das nossas empresas. No entanto, neste exemplo, Portugal estaria a crescer a uma taxa respeitável que nos garantiria uma duplicação de rendimentos cada 14 anos. Haveria alguma "crise" por sermos "ultrapassados" neste caso? Claro que não. Os rendimentos médios subiriam e o desemprego estaria a cair. Nenhum problema grave. Nenhuma doença terminal.
Ou seja, o problema de Portugal não é estar a ser "ultrapassado pelo país A ou B". O problema de Portugal é que não crescemos, ou pelo menos não crescemos o suficiente.
^
E assim chegamos à análise dos números actuais. Sinceramente, não sei qual foi a fonte exacta da notícia do DE. Presumo que seja alguma publicação do Eurostat, mas não tenho a certeza. Por outro lado, sei que os dados acima são do Eurostat, e que foram divulgados por esta instituição em 27 de Fevereiro de 2008. Estes são os dados mais recentes que conheço sobre o rendimento regional na UE e estão ajustados pelo poder de compra dos habitantes de cada país. O que é que nos dizem os números?
  1. Não é assim tão linear que a Eslováquia (com 60.6 por cento do rendimento médio da UE) e a Estónia (com 62.9 por cento do rendimento da UE) nos "ultrapassem" em 2009. Até pode acontecer, mas não é provável. Pelo menos segundo estes dados.
  2. Esquecendo os rankings, é fácil os números da República Checa e da Eslováquia são extremamente inflacionados pelas regiões capitais. Se existem assimetrias regionais sérias em Portugal, na República Checa estas diferenças são abismais, com Praga a ter bem mais do que o dobro do rendimento médio checo. Na Eslováquia, a diferença ainda é mais significativa, pois Bratislava aufere um rendimento médio 3 vezes mais elevado do que o resto do país. Se há Mezzogiorno português, o que dizer destes países? Ou seja, se estes países nos estão a "ultrapassar" é só porque as suas regiões capitais o estão a fazer, pois as restantes regiões chegam a ser bem menos desenvolvidas do que as nossas regiões mais pobres.
  3. Se atentarmos para as 15 regiões mais pobres da UE, nenhuma é portuguesa. Com efeito, a região portuguesa mais pobre (o Norte) é duas vezes mais rico (a nível de rendimento per capita) do que as regiões mais carenciadas da UE. Como já aqui falámos, nós somos um país de rendimento médio, não um país pobre. Estes dados isso o confirmam.

Isto não quer dizer que a nossa situação não seja preocupante ou que não devamos em pensar em soluções sérias para a pseudo-crise actual. Nada disto significa que nos devamos contentar com as notícias de que fomos "ultrapassados" mais uma vez. O que isto significa é que os rankings são relativos e assim devem ser entendidos. O que interessa é que os níveis de vida dos(as) portugueses(as) cresçam, que os níveis de pobreza diminuam e que o desemprego baixe. Para tal, só uma coisa interessa: o crescimento económico tem que aumentar nos próximos anos. A anemia da economia portuguesa tem que acabar. Para tal, temos que arranjar formas para a combater. Entretanto, deixemos de nos preocupar com os outros e preocupemo-nos com nós próprios, pois isso já é preocupação que chegue.

PS. Agradeço ao Tiago Villanueva por me ter feito o desafio de escrever um post sobre a notícia do DE.

Sem comentários: