30 maio 2008

REPENSAR A CRISE

O meu artigo do PUBLICO de hoje:
Após uma década de marasmo, a economia portuguesa continua praticamente estagnada. Mesmo assim, inexplicavelmente, tanto o governo como as principais figuras da oposição continuam a dar prioridade total ao combate ao défice orçamental. É como dizer a um doente com cancro para tomar mais aspirinas, pois mais tarde ou mais cedo os sintomas irão passar. Ou seja, um disparate e um contra-senso.
Com efeito, a obsessão do défice tem sido tão intransigente que ameaça tornar-se completamente irracional. É como se o equilíbrio orçamental fosse um fim em si mesmo e não apenas um objectivo. Não é. O défice é, sem dúvida, um sintoma de uma doença: o Estado está a gastar mais do que pode. Porém, a nossa obsessão fundamentalista com o défice está a ser prejudicial, pois não nos tem deixado concentrar nos nossos problemas estruturais, principalmente a nível da competitividade das exportações. Ora, os nossos políticos e governantes só têm cismado nesta obsessão com o défice orçamental porque têm medo de fazer frente a Bruxelas. Porém, se a França ou Alemanha estivessem na nossa situação certamente que facilmente esqueceriam Bruxelas e o Pacto de Estabilidade e fariam tudo para acabar com a estagnação económica. É chegada a hora de fazermos o mesmo.
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Que fazer então com o défice? Esquecê-lo. Pelo menos por 2 ou 3 anos até a retoma ser alcançada. Por outro lado, é também importante introduzir legislação que obrigue o governo a atingir o equilíbrio orçamental ao longo do ciclo económico (ou político), para que se possa poupar em tempos de vacas gordas e ter margem de manobra em tempos menos bons.
E o que fazer para reanimar a economia? Há três possibilidades: estimular as exportações, aumentar o investimento ou utilizar a política fiscal (i.e., gastar mais ou cobrar menos impostos). A curto prazo, pouco podemos fazer para aumentar a procura externa. As exportações dependem não só da competitividade dos nossos produtos, mas também de muitos outros factores, nem todos controláveis. Por outro lado, o investimento público também não será suficiente para a retoma. De facto, há cada vez mais rendimentos decrescentes para a política do betão que tanto sucesso teve nos anos 80 e 90. Não é por construirmos mais e mais auto-estradas ou termos um TGV que vamos atrair muitos investidores. Por isso, só sobra a política fiscal.
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Como sabemos, aumentar as despesas do Estado está fora de questão. Está bem à vista o resultado da nossa toxicodependência das despesas. Deste modo, só nos resta cortar os impostos. Que impostos? Principalmente o IRC e talvez o IRS. Ou seja, a prioridade deve ser dada à baixa dos impostos sobre o rendimento e não ao IVA. Não é com cortes de 1 ponto percentual na taxa do IVA que se alcançam estímulos económicos significativos. Somente uma descida considerável dos impostos pode ter esse efeito. As descidas têm que ser substanciais, mas faseadas e talvez diferenciadas geograficamente (concedendo uma fiscalidade bonificada às regiões deprimidas).
E como é que podemos cortar impostos se não temos margem de manobra orçamental? Continuando a reforma do Estado, racionalizando recursos, e adiando projectos megalómanos como o TGV. Deste modo, baixar os impostos não tem que ser populismo barato e demagógico. Baixar os impostos é uma questão de escolha. Só temos que pensar se queremos construir obras faraónicas de rentabilidade duvidosa ou cortar os impostos, aumentando a competitividade das nossas empresas. Cabe-nos a nós decidir.

1 comentário:

LUIS FERNANDES disse...

Mais claro e conciso não pode ser. Infelizmente é pregar aos peixes.Ao longo da história, sempre gostámos do parecer em detrimento do ser. É uma carga genética desgraçada. Para que servem mais auto-estradas se, a continuar assim,o nosso parque automóvel será cada vez mais decrépito e com tendência a tornar-se um bem exclusivo de uma classe de topo, como noutros tempos?
Para que serve o TGV e a OTA se cada vez haverá menos recursos para viajar? O turismo justificará todo este patológico endividamento?
Enfim, desabafos meus. Quanto a si meu caro Álvaro Pereira, continue a escrever, fá-lo muito bem e de forma clara. Ainda que não chegue a quem deveria, muitos de nós lêem.
Um abraço.