17 outubro 2010

BENDITOS SUBMARINOS

Nos próximos dias irei dedicar parte do meu tempo à análise do Orçamento de Estado. Até lá, não vou tecer grandes considerações sobre o assunto, pois prefiro fazê-lo com um pouco mais de profundidade. Ainda assim, aqui estão uns primeiros comentários. À primeira vista, há coisas positivas neste Orçamento (como a promessa do corte de algumas despesas) e outras péssimas (como o brutal aumento dos impostos para as famílias e para as empresas portuguesas) e que irão, decerto, conduzir a economia portuguesa para uma nova recessão. E é exactamente aqui que começam os problemas com o Orçamento de Estado para 2011. Os pressupostos do enquadramento macroecónomico são, no mínimo, muito duvidosos, aliás como já foi assinalado nesta análise de Pedro Braz Teixeira.
Um destes pressupostos é assumir que as exportações líquidas (isto é, exportações menos importações) vão ter um comportamento verdadeiramente extraordinário (ver quadro abaixo). O problema não é acreditar que as exportações vão crescer a 7,3% ao ano. Esse cenário é plausível, até porque as exportações nacionais têm vindo a demonstrar um dinamismo muito saudável nos últimos anos. O que não é razoável é assumir que as importações vão descrescer 1,7%. Qual é a racionalidade deste valor? De acordo, com o Ministro das Finanças, a procura interna irá descer (por causa do orçamento recessivo agora anunciado), e por causa dos submarinos... Sim, é verdade, esses malfadados submarinos que serão (os dois) contabilizados este ano, pois o malabarismo do negócio com as pensões da PT permite uma "folga" orçamental na ordem dos 1,5 pontos percentuais do PIB, não entrando assim para as contas de 2011. Assim, segundo o Ministro das Finanças, os submarinos já não contarão em 2011, o que fará diminuir as importações do país em relação a 2010.
Como, segundo esta lógica, os submarinos serão a principal fonte do endividamento externo do país em 2010 (não são...),  no próximo ano a sua ausência irá originar uma descida do défice externo (menos submarinos, menos tendência consumista dos portugueses) e uma melhoria das contas públicas (menos submarinos, menos despesas incómodas herdadas do passado).
Só há um pequeno senão em todos estes cálculos. Qual foi o último ano em que as importações tiveram um comportamento tão medíocre? (os anos de 2008 e 2009 não contam, por terem sido excepcionais em termos de comércio internacional) Qual foi o último ano em que o défice externo português registou uma melhoria tão significativa como a projectada neste Orçamento de Estado? Afinal, se tudo se resume à questão dos submarinos, por que é que não os orçamentámos logo em 2008 ou em 2009, quando ninguém (ou quase ninguém) se preocupava com o crescimento explosivo dos défices orçamentais? Piorava-se o défice externo nesse ano (e as contas públicas), mas depois era só melhorias.
Será esta uma ideia estranha e despropositada? Talvez, ou talvez não. Afinal, não foi isso o que fizemos com, por exemplo, o negócio das barragens em 2008, quando o Estado recebeu à cabeça mais de 600 milhões de euros em receitas extraordinárias dos privados pela exploração dessas mesmas barragens que irão acontecer nas próximas décadas? E não é verdade que essas receitas foram contabilizadas como receitas correntes, em vez de terem sido orçamentadas em montantes plurianais? E, se é assim, por que é que não fizemos as mesmas manobras contabilísticas com os submarinos?
Enfim, o habitual... Agora os submarinos servem de desculpa para tudo, até para previsões macroeconómicas que ninguém acredita. A triste verdade é que se tudo se resumisse aos submarinos estaríamos nós bem. Infelizmente, as coisas não são assim tão simples.

Quadro: Enquadramento macroeconómico do OE 2011


2010 2011
Consumo privado 2 -0.5
Consumo Público 1.9 -8.8
Investimento -2 -2.7
Procura interna 1.2 -2.5
Exportações 8.6 7.3
Importações 6.7 -1.7
PIB 1.3 0.2

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