02 março 2011

AUSTERIDADE OU NÃO, EIS A QUESTÃO

Aqui está o meu texto inicial para o Massa Monetária sobre a austeridade. O primeiro texto do João Rodrigues está também aqui.

A austeridade é necessária para Portugal sair da crise?
Portugal enfrenta três grandes e difíceis crises: uma crise das finanças públicas, uma crise de competitividade, e uma gravíssima crise de endividamento externo. Todas estas crises estão relacionadas, mas são de tal modo profundas que os nossos parceiros europeus e os mercados internacionais pensam que não conseguiremos melhorar as nossas finanças públicas sem uma continuação da política de austeridade.
Ainda assim, será a austeridade mesmo necessária para Portugal sair da crise? Sim e não. Ou seja, a austeridade é necessária, mas não é suficiente. A austeridade é necessária para combater os desequilíbrios das contas públicas e o endividamento ao exterior. Sem um combate sem tréguas ao nosso elevado défice orçamental e à nossa dívida pública explosiva, não é difícil imaginar um cenário em que o financiamento da economia nacional poderia ser posto em causa, o que, por sua vez, daria azo a uma crise económica e financeira bem maior do que actual. Por isso, a austeridade é, de facto, necessária para evitar que tal aconteça.
O problema não é a austeridade, mas a maneira como nós a temos implementado. Primeiro, andamos a promover uma austeridade a conta gotas, que só tem prejudicado a economia nacional. Segundo, a austeridade devia ser feita do lado das despesas e não através do aumento de impostos. Ou seja, a austeridade devia ser feita cortando na gordura do Estado, nos consumos intermédios, nas despesas dos milhares de entidades e organismos públicos que constituem a nossa Administração Pública, e nos apoios que o Estado concede a determinados grupos económicos e a toda a espécie de grupos de interesse. Isto é, a austeridade devia ser feita contra o despesismo do Estado e não contra os funcionários públicos ou contra os contribuintes portugueses.
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Um problema adicional é que, apesar da austeridade, continua a não haver consolidação orçamental e as despesas públicas continuam a crescer com pouco controlo. Não há igualmente uma estratégia definida para o combate da nossa dívida pública crescentemente explosiva. Não há um real plano de contenção da dívida das empresas públicas (que já totaliza mais de 24% do PIB). Não há uma estratégia plurianual abrangente para o desastre financeiro anunciado que são as parcerias público-privadas (que nos irão custar mais de 2,5 mil milhões de euros por ano a partir de 2013). E não há qualquer tentativa de evitar o recurso a desorçamentações descaradas e à contabilidade criativa. Em suma, a nossa política de finanças públicas está num desnorte total. Com um governo assim, quem é que precisa de especuladores para nos atirar para os braços do FMI? E é por isso que é absolutamente vital mudarmos de rumo o quanto antes.
Todavia, e como já disse, a austeridade não chega. Uma política de austeridade que não leve em consideração os nossos problemas de competitividade está condenada ao fracasso. Porquê? Porque não é difícil imaginar um cenário em que a recessão criada pela nossa austeridade a conta-gotas provoque uma diminuição drástica das receitas fiscais, o que só agravará ainda mais os desequilíbrios das contas públicas, aumentando, mais uma vez, a tentação de introduzirmos ainda mais austeridade. Por outras palavras, para que a austeridade seja bem sucedida, é fundamental que um combate implacável ao despesismo do Estado seja contrabalançado por políticas que ajudem a economia a recuperar da crise e da estagnação. Sem isso, e sem retoma económica não há austeridade que nos valha.

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