14 março 2011

LIÇÕES DA TRAGÉDIA JAPONESA

Foto retirada do New York Times, Toshiyuki Tsunenari/Asahi Shimbun, via Associated Press

A dimensão da tragédia japonesa não pode deixar de nos impressionar. Se isto aconteceu a um país preparadíssimo para estas catástrofes como é o Japão, o que é que sucederia se um desastre desta magnitude tivesse lugar em países como o nosso? A pergunta não é despropositada, pois, como sabemos, o nosso país já sofreu calamidades semelhantes, principalmente em 1755, quando o sul do país foi praticamente devastado no terramoto de "Lisboa" e pela tsunami e incêndios que se seguiram. Há uns anos, estimei o impacto económico do terramoto e argumentei que a catástrofe acabou por apresentar uma oportunidade de reforma para o nosso país. Nessa altura escrevi também um artigo para o Diário Económico sobre a necessidade de termos de dedicar mais atenção à questão de estarmos melhor preparados para a ocorrência de sismos de grande intensidade no território nacional. O texto deste artigo ainda se encontra actual e por isso aqui fica transcrito:

"Os números da tragédia de 1755 são, de facto, impressionantes. Apesar de não ter sido o terramoto mais poderoso ou mais mortífero da história recente, o sismo de 1755 foi provavelmente o mais duradouro desde que há registo. Com uma intensidade a rondar os 9 graus na escala de Richter, os sismos (provavelmente três) duraram no total entre 7 e 10 minutos, sendo seguidos minutos mais tarde por um enorme tsunami e incêndios devastadores que duraram mais de cinco dias. No rescaldo da tragédia, 30-40 mil dos cerca de 295 mil habitantes dos habitantes de Lisboa e arredores pereceram e cerca de 85 por cento dos edifícios da cidade de Lisboa foram danificados quer pelos sismos e pelo tsunami quer pelo fogo. Vários edifícios famosos, bem como todo um irreparável espólio documental foram destruídos para sempre. Para além de Lisboa, muitas outras cidades e localidades foram gravemente atingidas, tais como o Algarve, Peniche e Setúbal. Para além da sua importância histórica, qual é a relevância actual desse trágico incidente? 
Em primeiro lugar, devemos questionarmo-nos se é ou não possível acontecerem novamente terramotos desta magnitude e dimensão. A resposta é, infelizmente, um enfático sim. Lisboa está perto de uma zona de convergência de placas tectónicas e, assim, nos últimos 700 anos, a região lisboeta e do vale do Tejo foram assoladas por vários sismos de intensidade apreciável. Terramotos entre os 6.5 e os 7 graus na escala de Richter aconteceram em 1344 e em 1531 e em 1909. Adicionalmente, vários estudos estimam que terramotos em Lisboa com intensidade elevada têm uma periodicidade de cerca de 300 anos. Recentemente, um estudo das universidades de Jaén e Granada estimaram que para além da zona lisboeta, outras zonas de grande perigosidade sísmica incluem o litoral do Algarve e do Baixo Alentejo. 
Em segundo lugar, devemos aproveitar esta triste efeméride para estimarmos o que é que aconteceria hoje se ocorresse um sismo semelhante em Lisboa ou noutras partes do país. Esta é, sem dúvida, a questão mais importante e pertinente para a actualidade e para a qual é vital encontrarmos respostas. Ora, a triste realidade é que a grande maioria das construções não estão preparadas para suster o impacto de um terramoto da magnitude do sismo de 1755. Assim, se tal cataclismo acontecesse hoje, teríamos certamente não só uma grande devastação ao nível de infraestruturas, mas também haveria um enorme custo humano (basta lembrar que a actual população da região lisboeta é 10 vezes maior do que a de 1755). 
A verdade é que depois da tragédia que assolou o território português em 1755, e depois das iniciativas visionárias e pioneiras do Marquês de Pombal, os sucessivos governos locais e nacionais têm sistematicamente negligenciado a gravidade que um potencial terramoto (ou tsunami) de grande magnitude poderia infligir no território nacional. Dado que o terramoto de 1755 foi o cataclismo natural com maior impacto na história recente da Europa, Lisboa deveria ser a capital europeia da prevenção e dos estudos sísmicos. No entanto, apesar do terramoto fazer parte integrante do nosso imaginário comum, os recursos que consagramos para a investigação e prevenção deste tipo de catástrofes são, no mínimo, risíveis. Este facto é, sem dúvida, preocupante, e é igualmente bastante revelador das mentalidades ainda prevalecentes no nosso país. Em Portugal, existe uma cultura de reacção e não de prevenção. Ora, como sabemos, habitualmente, os países subdesenvolvidos reagem, enquanto que os países mais avançados previnem-se (assim como o recente trágico terramoto de Sumatra e subsequente tsunami demonstraram). Neste sentido, deveríamos aproveitar os 250 anos do terramoto de Lisboa para relançarmos não só o debate sobre esta questão, como também para iniciarmos uma campanha de avaliação e prevenção de risco destas catástrofes naturais. Esta seria, claramente, a maior homenagem aos que tão tragicamente perderam as vidas e os seus meios de subsistência nessa trágica manhã de Novembro de 1755."

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