31 março 2011

A BOMBA RELÓGIO (2)

Quando há uns anos vivi na Inglaterra, um dos choques culturais que senti foi em relação à questão da natalidade. Havia então uma percepção muito forte de que as famílias católicas não praticavam métodos anticoncepcionais (!) e que, por isso, os católicos tinham habitualmente muitos mais filhos do que os protestantes. Confesso que esta ideia me surpreendeu, porque, sendo natural de Portugal, eu sabia que a realidade era (e é) bastante diferente. 
Afinal, todos nós sabemos que, em média, as nossas famílias já há muito que não são numerosas. Não é à toa que, em 2010, Portugal registou o número mais baixo de nascimentos das últimas décadas, uma tendência que se tem vindo a acentuar há pelo menos 25 anos. Outros países tradicionalmente católicos, como a Espanha e a Itália, também se debatem com o mesmo problema. 
Ora, por que é que nós temos tão poucos filhos? Será por sermos demasiado egoístas? Será por não termos dinheiro? Ou haverá outros motivos? Há três grandes razões que explicam o declínio da natalidade em Portugal. Em primeiro lugar, o país desenvolveu-se e urbanizou-se, e os rendimentos médios subiram. Há 50-60 anos, o nosso país ainda era predominantemente rural, e fazia todo o sentido que os pais tivessem, em média, 4 ou 5 filhos (pelos motivos que vimos no artigo da semana passada). Em segundo lugar, nos últimos anos, tem havido um aumento muito significativo da idade em que os jovens casais contraem matrimónio, de modo que a idade média que as mães tentam conceber também subiu muito. O problema é que, como é sabido, quanto mais tarde as mães tentarem ter filhos, menos probabilidades de sucesso terão, pois a fertilidade baixa com a idade. Em terceiro lugar, há muito poucas estruturas de apoio e incentivos para os jovens casais terem filhos. Não, não estou sequer a falar de subsídios ou de abonos de família. Estou sim a falar da existência de flexibilidade laboral para que os pais possam acompanhar os seus filhos, bem como estruturas de apoio (infantários a preços razoáveis, licenças de maternidade mais prolongadas, etc.) que permitam que os pais possam conciliar as suas exigentes vidas profissionais com as suas vidas familiares.
O que é certo é que a baixa natalidade nacional terá enormes repercussões sociais e económicas, pois a baixa natalidade é uma autêntica bomba relógio para as finanças públicas nacionais e para a Segurança Social. E de uma coisa podemos estar certos: quanto mais tarde lidarmos com este problema, maiores serão os estilhaços provocados pelo rebentamento dessa bomba. 

Nota: Meu artigo no Notícias Sábado, Março 2011

6 comentários:

Maria Joana disse...

Tenho-me interrogado sobre a possibilidade duma reforma da Segurança Social em que o factor de correcção fosse o número de filhos (naturais e/ou adoptados) em vez da esperança média de vida. Julgo que seria justo e, se sustentável, eficaz.
Aproveito para agradecer o quanto aqui tenho aprendido.

Carlos Lopes disse...

Como diz e bem, nos últimos 50 anos o País urbanizou-se (entenda-se fugiu para o litoral), passando de um País com muitas famílias alargadas para um com a maioria das famílias muito reduzidas, por vezes mono-parentais. E, por isso, as habitações que foi necessário construir, essencialmente em blocos de apartamentos, não têm condições para albergar mais do que essas famílias muito reduzidas: casal, mais um ou dois filhos. Em resultado disso, as famílias ficaram divididas, não podendo hoje os casais jovens contarem com ajudas dos pais ou das tias, como acontecia no passado, ajudas preciosas, sobretudo na criação e na educação dos filho. E este problema vai manter-se por muito tempo, não vislumbrando forma de o atenuar.

Zephyrus disse...

E a questão dos horários. Sou favorável ao encerramento do comércio ao Domingo e às sete da tarde, como no resto da Europa. Na maioria das profissões dever-se-ia começar a trabalhar às oito horas e sair, por exemplo, às três da tarde. Nota: «haverá» e não «haverão».

Carlos Pereira disse...

Realmente, há alguns incentivos ao aumento da natalidade. Existem mesmo municípios que, por sua iniciativa, dão incentivos para quem tenha mais crianças. Tudo isto corre bem até ao momento em que a família cresce e se tem necessidade de adquirir uma casa maior para o conforto da família que cresceu. Não falo do valor da casa, falo do IMI. Este imposto é, para mim, um imposto cego. Cego porque não distingue o luxo da necessidade. Pergunto: Deverá um casal que tem, por exemplo, 3 filhos pagar tanto IMI por um T3 como um casal que não tem filhos e que mora também num T3? Para um é uma necessidade para outro é um pequeno luxo. O que eu quero dizer, é que se dão incentivos para que a população aumente, mas depois essas famílias têm que viver numa casa que não tem condições mínimas. Com as novas avaliações dos imóveis, o IMI passou a ser um peso no orçamento familiar. Penso que os municípios deveriam estar atentos a este assunto.

Carlos Pereira

Pedro Oliveira disse...

A precariedade do emprego/trabalho em Portugal porventura justifica a mais baixa taxa de fertilidade. As pessoas estão conscientes das dificuldades financeiras que têm, apesar de continuarem a recorrer ao Crédito financeiro. Não sei se o crescimento do Crédito está relacionado com a taxa de fertilidade, em lógica inversa, ou não. Colocar crianças no Mundo em ambiente pobre ou nada favorável seria também uma irresponsabilidade. Há quem pense duas vezes antes de pôr crianças no Mundo.

Adriano Volframista disse...

Álvaro Santos Pereira
Sem desejar ser mal entendido, o fenómeno e as causas da baixa natalidade são conhecidas, estudadas e, mesmo, quase previsíveis.
Um país pequeno, ao contrário de um grande não tem "tempo" para experimentalismos; os custos podem ser incomportáveis. Nos últimos 25 anos empurrámos com a barriga o problema e dedicámo-nos ao experimentalismo de cariz pós moderno. Infelizmente, como os animais domésticos, o pós modernismo é um "luxo" de ricos e grandes.
Países com tamanho semelhante, atacaram o problema com as seguintes soluções: ensino gratuito, saúde gratuita e majoração fiscal até três filhos.
Suécia e Dinamarca, pelo os últimos dados, asseguraram a sustentablidade demográfica ao passo que nós, provavelmente, estamos no limiar da insustentabilidade.
Não é uma bomba relógio é uma cápsula de cianeto.....
Cumprimentos
Adriano