16 março 2011

A VÍTIMA E O PEC-5

A estratégia de vitimização do primeiro-ministro continua. Autêntico Dom Quixote a lutar contra os moinhos da "irresponsabilidade" e da "intervenção externa" (como se o BCE não nos andasse a financiar há mais de um ano, e as missões técnicas do FMI e da Comissão Europeia já não estivessem entre nós há vários meses), o primeiro-ministro esqueceu-se convenientemente do pesado e triste legado do seu governo, e proclamou aos sete ventos que a culpa pela crise actual é da oposição. Ou seja, a culpa é de todos menos de quem governa, ou melhor, de quem devia governar se fosse competente para isso. E é assim que o primeiro-ministro tenta (e tentará) por todos os meios utilizar a conhecida estratégia "eu ou o dilúvio", olvidando-se que o dilúvio dos mercados financeiros e da crise económica foi provocado pelas políticas erradas dos seus governos, pela dívida histórica que o seu governo legará aos próximos governos e às gerações futuras, pelo desemprego recorde que as más políticas dos últimos anos causaram, pelo regresso da emigração para níveis que já não existiam há décadas, e pelo pior desempenho da economia portuguesa dos últimos 100 anos. Mas não, segundo o primeiro-ministro, a culpa disto tudo não é do governo. Não. A culpa é dos malvados dos mercados e dos infames especuladores. A culpa é dos malditos dos gregos que despoletaram o fantasma da crise soberana europeia. A culpa é dos ingratos dos irlandeses que se deixaram abater por uma crise bancária. A culpa é dos indecisos dos nossos parceiros europeus que não nos apoiam como deviam apoiar. E, acima de tudo, a culpa é dos partidos da oposição que têm o desplante, o descaramento!, de ter uma opinião contrária à do nosso benemérito e visionário primeiro-ministro. Enfim, a estratégia do costume.
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Mais: na ânsia de se vitimizar, o primeiro-ministro fez um ultimato à oposição que um chumbo do novo PEC significaria uma crise política e a chegada da temida "intervenção externa". Obviamente, sabendo de antemão que todos os partidos da oposição vão chumbar as novas medidas de austeridade, se o governo as apresentar na Assembleia da República antes da cimeira europeia de 24 e 25 de Março, está a abrir uma crise política que não é aconselhável para ninguém antes dessa data (quando as medidas em relação ao futuro do FEEF irão ser decididas).  E, por isso, convém lembrar que o governo não só não tem o mínimo de necessidade legal de apresentar muitas das novas medidas de austeridade no parlamento, como também tem até Abril para actualizar o PEC. Ou seja, só há uma razão para o governo forçar uma votação do PEC na Assembleia da República antes do dia 25: culpabilizar os partidos da oposição por uma eventual intervenção externa que certamente se seguiria após o governo baixar os braços e se declarar impotente para defender o país das "irresponsabilidades" da oposição. 
Os partidos da oposição não deviam assim embarcar na estratégia do governo e não se deviam deixar seduzir pela tentação de votar as novas medidas de austeridade antes do dia 25. E a haver uma nova moção de censura (como deve haver), esta só deveria ser apresentada depois do dia 25, para que o governo e o primeiro-ministro não se vitimizarem ainda mais.
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Dito isto, convém referir que uma das passagens mais interessantes da entrevista do primeiro-ministro foi a revelação que uma "intervenção externa" acarretaria o fim do 13º mês, a redução do salário mínimo e o despedimento de funcionários públicos. Ora, onde será que o primeiro-ministro foi buscar estas ideias? Às negociações que tiveram lugar com a missão técnica do BCE e da Comissão Europeia? Ou será que este é o esboço de um hipotético PEC-5, que o governo apresentaria lá mais para o final do ano?
É que, como todos sabemos, no início de 2010, este governo já se tinha mostrado terminantemente contra "novas" medidas de austeridade, contra o corte de salários, contra a redução das prestações sociais e contra o corte das pensões. Porém, uns meros meses mais tarde, e face ao descalabro das execuções orçametais em 2009 e 2010, este mesmo governo aplicou uma a uma estas medidas, renegando a todas as juras e promessas que tinha feito anteriormente. Por isso, é muito natural que, conhecendo como nós conhecemos as maravilhosas execuções orçamentais e a lendária falta de planeamento orçamental do executivo e deste ministro das Finanças, é muito natural que, se este governo continuasse em funções, teríamos este novo PEC-5 lá mais para o final do ano.
Felizmente, os acontecimentos dos últimos dias provam que não vamos chegar a esse ponto. Sim, vamos ter uma crise política. E ainda bem. O país não pode continuar adiado e a economia nacional não aguenta muito mais as más políticas dos últimos anos. Porém, essa crise política só deverá acontecer quando o governo não conseguir mais desresponsabilizar-se por todo o mal que causou à economia nacional e à grande maioria dos portugueses. A partir do dia 25 já não há mais desculpas.

2 comentários:

Rita Brito disse...

Excelente relato!

Anónimo disse...

O PM já tem a certeza que Portugal vai precisar de pedir ajuda brevemente. Por isso, tirou este coelho da cartola: "agora vou entalar a oposição, provoco uma crise política e culpo a oposição por tudo o que acontecer". Será que a estratégia vai funcionar? Não sabemos ainda. Só depois das eleições é que vamos saber.