Sabia que Portugal é o segundo país mais desigual da União Europeia (a seguir à Lituânia) e o terceiro país mais desigual da OCDE (depois do México e da Turquia)? E sabia ainda que as desigualdades sociais têm vindo a subir muito nos últimos anos, apesar de as prestações sociais terem aumentado? Pois é. Portugal é um país extremamente desigual, muito mais do que seria desejável. Por que será? Será que os nossos empresários têm taxas de lucros acima do normal? Não, não é verdade. As nossas taxas de lucros são até mais baixas do que em muitos outros países europeus. Será que os nossos trabalhadores são mais “explorados”? Não, também não. Não há qualquer prova empírica que o demonstre.
Mas se não são esses factores, o que será? A resposta é simples e tem um nome: educação. Ou, melhor, a falta dela... Mais concretamente, o culpado chama-se abandono escolar e é simplesmente o principal causador das nossas gritantes desigualdades sociais. Todos os anos, cerca de um terço dos nossos jovens comete um erro capital, que não só tem consequências dramáticas para os seus futuros individuais, mas também para o nosso futuro colectivo. Esses jovens decidem abandonar os seus estudos, preferindo optar por dar um outro rumo às suas vidas. Ora, essa infeliz decisão individual multiplicada por mais de um terço dos nossos jovens tem enormes repercussões para o nosso país. Porquê? Porque ao abandonarem os estudos, os jovens que o fazem ficam, em média, condenados a uma vida de rendimentos bem mais baixos do que poderiam auferir se completassem um curso universitário ou uma formação técnica avançada. Para o país, esta decisão é uma tragédia, pois Portugal é o país da União Europeia com o mais alto nível de abandono escolar, com a excepção de Malta.
Por isso, o combate ao abandono escolar é simplesmente um dos combates mais importantes que teremos de travar nos próximos anos para podermos aspirar a ter um país melhor. Por isso, se o seu filho, a sua neta, o seu sobrinho, ou até a filha do seu melhor amigo, está a ter dificuldades na escola e se está a pensar a abandonar o ensino, faça-lhe um favor e faça um favor ao país: sente-se com ela, fale com ele, e diga-lhe o que lhe espera. Informe-o(a) do erro tremendo que está a cometer. Diga-lhe que reconsidere, implore-lhe que não o faça. Peça-lhe que mude de escola, convença-a que o seu futuro, que o futuro do país também passa por ele, que Portugal precisa que ela acabe os seus estudos. Todos nós precisamos. Ao fazê-lo, ganha ele, ganha ela, e ganhamos todos nós.
Nota: Meu artigo no Notícias Sábado da semana passada.
8 comentários:
Senhor Prof. A.S.P.:
Mas que «estorinha» tão idílica e, ao mesmo tempo, reconfortante que nos conta. Vamos todos tirar os nossos cursinhos e a injustiça acabará no nosso querido Portugal.
Os milhares de licenciados, caixas de supermercado, operadores de «call center» ou a exercer outras funções sem a menor exigência de formação especializada desmentem cabalmente essa sua versão, e os salários de 500 euros de tantos diplomados confirmam igualmente que só os cursos não bastam.
A desigualdade que aponta deve-se, tão só, a uma injustiça atroz na repartição dos rendimentos, em que uns poucos decidem sobre a sua vida e os seus salários, definindo em círculos restritos de pares as remunerações verdadeiramente escandalosas que auferem (os gestores portugueses estão entre os mais bem pagos da UE, e o governador do BdP é o 3.º mais bem pago entre os seus pares no mundo, só suplantado pelo homólogo de Singapura e de outro país que não posso precisar neste momento), enquanto que a maioria das pessoas vegeta com salários e miséria ou um pouco acima disso.
E muitos desses gestores nem justificam o que ganham, pois gerem empresas monopolistas ou estatais, as quais verdadeiramente não competem no mercado.
Não quer isto dizer que estudar, acima de tudo adquirir conhecimento, muito mais do que obter diplomas, não seja deveras importante. É, ponto final. Mas, infelizmente, não é suficiente.
Omitir isto é iludir as pessoas, e todos devemos falar verdade.
M.H.F.
Dr. Álvaro
Os números do abandono escolar são uma falácia mal vendida pelo Ministério da Educação, a que o Eurydice responde.
Acontece que em Portugal o ensino obrigatório é até ao 9º ano. Na quase totalidade dos países europeus, é até ao 12º. As estatísticas são feitas até ao 12º, o que dá como resultado que em Portugal, os alunos que não continuam no Secundário, são considerados com "abandono escolar".
Só daqui a 3, 4 e 5 anos, é que vamos acertar com a Europa, quando começar o ensino obrigatório até ao 12º
Aliás, há um documento que saquei em tempos no site do ME, que dizia isso mesmo.
E por causa das estatísticas é que nasceram as Novas Oportunidades.
Por falar em provas empíricas:
como justifica a afirmação de que o abandono escolar é a principal causa das desigualdades sociais em Portugal?
Por outro lado: não será isso contraditório com o facto de muitos licenciados (parece que cada vez mais) estarem desempregados ou a trabalhar a troco de ordenados miseráveis, por vezes em empregos sem qualquer relação com os estudos efectuados?
Olá Álvaro,
Não sei se estás inteiramente a par das medidas do ME para combater o insucesso. Criação de cursos verdadeiramente inacreditáveis, sem chumbos, sem programas de ensino e sem conteúdos, manuais, etc.. actualmente parte do meu trabalho é nas Novas Oportunidades, EFAs, Educação e formação de adultos. Nestes cursos tenho a maioria dos formandos com idades de 18, 20 anos e alguns mais velhos. A maioria vem para estes cursos pois não conseguiam tirar o secundário e matricularam-se nestes cursos, pois a figura do chumbo praticamente não existe. estes cursos dão equivalência ao 12º ano e são divididos em 3 principais área de formação. Os módulos de formação são de 50 horas, sendo que cada módulo destes é subdividido em outros 4. Dos 4 o estudante tem apenas de "evidenciar" dois. Digo evidenciar pois no final de cada submódulo o formador tem somente de preencher umas grelhas aparentemente complexas em que tem itens como "competências éticas", "cognitivas" "sociais". para fazeres uma ideia de cada 10 itens, se o estudante evidenciar metade já tem o módulo feito. Tudo que o formador tem a fazer é escrever nessas grelhas, ou um "E" ou um "NE", de "evidencia" ou "não evidencia". No final o estudante tem a habilitação do secundário. Há pessoas que tinham o 2º ano do ciclo básico (actual 2º ciclo) e no espaço de alguns meses apenas fica com o 9º ano e mais ano e meio fica com o 12º ano. Ou seja, o 12º ano faz-se em Portugal em cerca de 2 anos e pouco. Nisto tudo há o lado positivo de trazer algumas pessoas à escola, que de outra forma nunca mais lá regressariam. Mas todo este tipo de ensino é arquitectado sacrificando uma sólida formação. Para mim é uma modalidade de ensino frustrante, sem qualquer avaliação de conhecimentos. Não sei que pensas disto.
abraço
Senhor Prof. A.S.P.:
Os milhares de licenciados, caixas de supermercado, operadores de «call center» ou a exercer outras funções sem a menor exigência de formação especializada desmentem cabalmente essa sua versão, e os salários de 500 euros de tantos diplomados confirmam igualmente que só os cursos não bastam.
A desigualdade que aponta deve-se, tão só, a uma injustiça atroz na repartição dos rendimentos, em que uns poucos decidem sobre a sua vida e os seus salários, definindo em círculos restritos de pares as remunerações verdadeiramente escandalosas que auferem (os gestores portugueses estão entre os mais bem pagos da UE, e o governador do BdP é o 3.º mais bem pago entre os seus pares no mundo, só suplantado pelo homólogo de Singapura e de outro país que não posso precisar neste momento), enquanto que a maioria das pessoas vegeta com salários e miséria ou um pouco acima disso.
E muitos desses gestores nem justificam o que ganham, pois gerem empresas monopolistas ou estatais, as quais verdadeiramente não competem no mercado.
Não quer isto dizer que estudar, acima de tudo adquirir conhecimento, muito mais do que obter diplomas, não seja deveras importante. É, ponto final. Mas, infelizmente, não é suficiente.
M.H.F.
Segundo The Spirit Level - e os seus autores deram-se a cuidados extremos para não confundir correlação com causalidade nem causa com efeito - não é o abandono escolar que causa a desigualdade, mas sim a desigualdade que causa o abandono escolar, bem como uma lista impressionante de outras disfunções sociais.
A aceitar isto, talvez fosse importante voltar às duas hipóteses que você considera brevemente e põe de lado. Quanto aos lucros exagerados, conheço casos em que as taxas de lucro parecem efectivamente muito altas; conheço outros em que são mais baixas do que seria normal esperar; conheço casos de concorrência desleal; e conheço exemplos de taxas de comercialização muito baixas, ou até negativas, que dão lugar a lucros muito altos porque os seus titulares rodam os stocks muito rapidamente mas pagam aos seus fornecedores a prazo muito longo, o que lhes permite realizar mais-valias no sector financeiro com dinheiro que é dos outros.
Nada disto me permite concluir, porém, que os lucros em Portugal são, no cômputo geral, anormalmente altos ou anormalmente baixos. O mesmo quanto aos salários: conheço, como toda a gente, trabalhadores dos quais não se pode dizer com justiça que são explorados; e conheço, também como toda a gente, trabalhadores que não só são explorados, como o são da forma mais cruel e mais vergonhosa. A dúvida está, mais uma vez, no cômputo geral.
Mas neste baralho há um joker, que é a profusão de fortunas inexplicadas. Pessoas que nunca foram nem empregadoras nem empregadas, que não herdaram nada, e que exibem fortunas enormes. E não são casos raros: são suficientemente numerosos para que cada um de nós tenha conhecimento directo de pelo menos um e indirecto de vários. Isto não pode deixar de afectar as estatísticas sobre a desigualdade.
Há ainda que considerar um fenómeno que não é só português mas nos afecta com especial acuidade: a parte decrescente dos salários no rendimento nacional. Se os rendimentos do trabalho diminuem em relação a outros tipos de rendimento, a desigualdade tem forçosamente de aumentar. E, como o preço do trabalho é sempre um preço político - os poucos salários que não são artificialmente baixos são artificialmente altos - temos que a génese da desigualdade é política.
O que você nos está a propor é uma mezinha. Sabe o que aconteceria se de repente pudéssemos dar a todos os jovens uma formação de altíssima qualidade? Não teríamos mercado de trabalho para os absorver e seriam obrigados a ir vender os seus skills a outros países, para cuja riqueza conmtribuiriam em vez de contribuírem para a nossa.
Não. primeiro temos que reduzir fortemente as desigualdades. Só então será possível melhorar a formação dos portugueses e conservar cá os beneficiários dessa melhoria.
E não será que o abandono escolar não é causa, mas efeito da nossa insuficiência económica, isto sem embargo de ser dramático e poder contribuir para «o atraso português»? Que radicará este, em parte, na desconfiança sistémica de cada um si, que faz com que poucos se vejam como agentes e autores do seu destino (herança dos séculos em que, tudo o que se fizesse ou não se fizesse aqui, sempre acabava por parecer insiognificante, por ser sempre lá de fora, das possessões do estado, ou dos alidaos do estado, a necessária fazenda?).
Obrigado a todos. Respondo amanhã.
Abraço
Alvaro
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