Agora que os números da execução orçamental de Fevereiro já estão disponíveis, podemos finalmente tentar perceber o que é propaganda e o que é realidade nas nossas finanças públicas. Ora, há boas e más notícias em relação à execução orçamental. A boa notícia é que não só o saldo global do subsector Estado melhorou, mas também as despesas finalmente começaram a baixar. As más notícias é que as coisas não ficam por aqui. O problema é que estas melhorias só são reais em relação às péssimas execuções orçamentais de 2009 e de 2010 e não aos anos anteriores. Mais: a descida das despesas deveu-se inteiramente ao corte dos salários dos funcionários públicos, bem como a uma surpreendente baixa dos juros. Sim, leu bem. Numa altura em que o Estado se financia a taxas de juros recordes, o nosso governo alcançou a proeza de conseguir fazer baixar os juros da execução orçamental. Simplesmente extraordinário. No entanto, e como veremos mais à frente, persistem os sintomas de que o despesismo do Estado continua de boa saúde, pois não só as aquisições de bens e serviços aumentaram de forma significativa, mas também as receitas fiscais são ainda o principal motivo para a melhoria da consolidação orçamental.
Dito isto, vejamos então com mais pormenor os números agora publicados sobre os primeiros dois meses do ano, comparando-os com as execuções orçamentais de Janeiro e de Fevereiro nos últimos 5 anos. Comecemos com as receitas efectivas (que são iguais às receitas correntes mais as receitas de capital). Como podemos ver no Gráfico 1, as receitas efectivas nos meses de Janeiro e de Fevereiro melhoraram substancialmente em 2011 relativamente a 2010 e até 2009. Todavia, se recuarmos mais no tempo, facilmente percebemos que as receitas fiscais ainda estão abaixo das colectas obtidas quer em 2007, quer em 2008. Por outras palavras, nem a subida do IVA, nem o terrível agravamento da carga fiscal em 3 pacotes de austeridade, foram suficientes para fazer recuperar as receitas fiscais para os níveis de 2007 e 2008.
Gráfico 1 _ Receitas efectivas em Janeiro e Fevereiro
Se atentarmos agora para a despesa efectiva, podemos igualmente verificar que, sem dúvida, houve uma descida de 257,6 milhões de euros em relação a 2010. Porém, mais uma vez, e como podemos ver no gráfico 2, a despesa efectiva dos dois primeiros meses de 2011 é substancialmente superior a 2008, a 2007 e a 2006. Ou seja, só houve uma redução de despesa se nos compararmos às terríveis execuções orçamentais de 2009 e de 2010. Contudo, esta aparente descida da despesa não foi concretizada relativamente aos anos anteriores. Isto apesar de um corte sem precedentes dos salários nominais dos funcionários públicos, bem como 3 pacotes de austeridade. Para mal dos nossos pecados, as despesas do nosso Estado permanecem a níveis historicamente muito elevados.
Gráfico 2 _ Despesas efectivas em Janeiro e Fevereiro
E já que o governo andou semanas a propagar a descida "histórica" da despesa e do saldo global do subsector Estado, vale a pena ainda observarmos a evolução do saldo global deste ano e nos anos precedentes. Como podemos ver no gráfico 3, a mensagem é exactamente a mesma: apesar da propagada descida de 841 milhões de euros, a verdade é que o saldo global em 2011 é o terceiro pior desde 2006 (ou o terceiro melhor, se formos generosos com o governo). No entanto, as melhorias só são "marcantes", porque o governo está a comparar números mais-que-péssimos (em 2009 e 2010) com números maus. Porquê maus? Porque, como sabemos, este "magnífico" saldo global foi alcançado à custa do referido corte de salários e com agravamentos fiscais absolutamente brutais. Porém, nem mesmo assim o saldo global do Estado melhorou em relação a 2008, a 2007 ou a 2006.
Gráfico 3 _ Saldo global do subsector Estado em Janeiro e Fevereiro
Porém, as surpresas não acabam aí. Como já mencionei, porventura o facto mais notável desta execução orçamental tem a ver com a evolução dos juros. Numa altura em que o Estado se financia a taxas de juros recordes (desde que entrámos no euro), todos esperávamos que as despesas com os juros aumentassem. Mas não, por um milagre qualquer, os juros pagos pelo Estado baixaram. Assim, enquanto nos dois primeiros meses do ano de 2010 as despesas com juros atingiram 155,6 milhões de euros, no período homólogo de 2011 os juros caíram para 150,3 milhões de euros, uma variação homóloga de -3,4%. No entanto, este valor é cerca de 83 milhões de euros menor do que em 2009, 186 milhões de euros menor do que em 2008, e 425 milhões de euros inferior aos valores referentes a 2006. Não supreende que tal tenha acontecido, pois a execução orçamental desta rubrica é de apenas 2,4%, substancialmente abaixo da média da execução orçamental das restantes rubricas de despesas e de receitas, que têm médias de execução entre os 15% e os 20%. Por isso, urge perguntar: o que é que terá acontecido aos juros? Porquê uma execução orçamental tão baixa? E, mais importante, quando e como é que vamos orçamentar as subidas dos juros do nosso Estado? Seria bom se o ministro das Finanças nos esclarecesse estas dúvidas.
Gráfico 4 _ Juros e outros encargos do subsector Estado em Janeiro e Fevereiro
Refira-se ainda que a execução orçamental das despesas de capital (8,6%) também é significativamente inferior à média das restantes rubricas. Por outras palavras, inflaciona-se a execução orçamental das receitas, e deflaciona-se o valor de algumas importantes despesas que poderiam fazer facilmente derrapar a propagada descida da receita.
Finalmente, vale ainda a pena olhar para a evolução das aquisições dos bens e serviços do Estado. Como é sabido, os chamados consumos intermédios têm crescido muito nos últimos anos. Por isso, a cortar o despesismo do nosso Estado, não há lugar melhor por onde começar do que na aquisição de bens e serviços. Neste sentido, poderíamos estar tentados a pensar que a austeridade já tinha afectado o comportamento do nosso Estado. Se pensamos assim, estamos muito enganados. As aquisições de bens e serviços aumentaram nada mais nada menos do que 49%. Sim, leu bem. Quarenta e nove por cento. Quem é que disse que o nosso Estado estava em crise? A austeridade é só para os funcionários públicos, para os contribuintes, e (agora) para os pensionistas. Porém, a austeridade não chega ao nosso Estado, que continua a comportar-se como se a crise não existisse, ou como se o Estado estivesse acima das restrições que são impostas aos portugueses. Lamentável, no mínimo.
Gráfico 5 _ Aquisições de bens e serviços em Janeiro e Fevereiro
Moral da história: é verdade que a despesa caiu em relação a 2010. E ainda bem. Porém, não só as despesas públicas permanecem bem acima dos valores de 2008 e de 2007, como também há todo um número de indicadores que sugerem que ainda estamos bem longe de ter as finanças públicas controladas.
Aliás, perante estes números, e sabendo que os técnicos da missão da União Europeia e do BCE decerto não se deixam enganar pela publicidade enganosa e pelos sucessivos malabarismos contabilísticos deste governo, começamos agora a perceber melhor por que razão os nossos parceiros europeus forçaram o executivo português a apresentar novas medidas de austeridade num mês que, supostamente e de acordo com o governo, tinha sido de uma execução orçamental imaculada. Enfim, uma vergonha. Uma verdadeira vergonha. E o problema é que as irresponsabilidades e as incúrias deste governo ainda vão ter repercussões muito graves. Depois todos estes truques e de toda a propaganda descarada, vamos andar anos (sim, anos) a tentar recuperar a credibilidade do país e das nossas finanças públicas. Uma tarefa que, face às nossas enormes dívidas e às manipulações contabilísticas levadas a cabo nos últimos anos, será verdadeiramente herculeana.
12 comentários:
Três perguntas:
1- Se os encargos com os juros baixaram em valor absoluto, será que o montante em dívida terá baixado para isso ser conseguido mesmo com taxas mais altas? Não conheço os números da dívida, embora me custe a acreditar que tenha baixado (afinal de contas, continuamos a alimentá-la com défices sucessivos).
2- A despesa do Estado com bens e serviços para 2011 foi anualizada, verdade? Será que tradicionalmente há maiores custos no início do ano ou estes são relativamente próximos da média anual ao longo do ano?
3- Este superávit tão propagandeado é o que na realidade: um superávit em relação ao ano anterior? É que induz um balanço positivo na diferença entre receitas e despesas, mas na realidade é uma melhoria em relação a anos terríveis.
C.
Obrigado Álvaro! Felizmente ainda há quem faça o trabalho que os jornalistas deveriam fazer. Estes apenas papagueiam as informações que o governo veicula, o que se traduz num péssimo serviço para a sociedade.
Sócrates aproveita-se de uma população maioritariamente ignorante e desmotivada para descodificar as teatralidades do governo ou para procurar os descodificadores que lhes permitam ir para além da superfície (caso dos seus textos).
Mais uma vez, obrigado! Presta um bom serviço a Portugal!
Cresce, cresce, nariz cresce
Era uma vez o Pinóquio que continua a viver num mundo de fantasias. Noutros tempos, esta figura simpática fazia parte do imaginário de qualquer criança, agora aparece no nosso mundo real, a cores e ao vivo, fazendo falsas promessas e atormentando as nossas vidas. Faz porte de gente adulta mas continua infantil nas suas atitudes. Pior, o nariz do Pinóquio não pára de crescer uma vez que ele tem um total desprezo pela verdade. O Gigante contenta-se a vê-lo e a ouvi-lo nos seus espectáculos deprimentes, claro.
Alguns e algumas personagens da banda desenhada ou dos desenhos animados ficarão, para sempre, nas nossas memórias. É uma parte da nossa criança dentro de cada um… A diversidade da bonecada é imensa, havendo para todos os gostos e idades. E gostos não se discutem! A coisa muda de figura quando alguém apropria-se de uma determinada personagem e, ao mesmo tempo, transfigura-a miseravelmente. Temos o direito e o dever de protestar. Até podemos não gostar do Pinóquio, o boneco, mas ele tem direito ao bom nome e reputação, à imagem e à protecção legal, entre outros direitos, como referem os artigos 25.º (Direito à integridade pessoal) e 26.º (Outros direitos pessoais) da Constituição da República Portuguesa (CRP). Bolas, vivemos num Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP)! Bem, não sei se será bem assim, mas enfim… Uma coisa é certa: a Lei Fundamental não pode ser assim violada, no sentido jurídico do termo. Adiante!
Anda, por aí, uma determinada personalidade (de repente, não me lembro do nome) a estragar a reputação desse boneco de madeira, o que não é justo. Saindo da esfera jurídica, colocam-se outras questões, vejamos cinco:
- Primeira, somos violentados diariamente com agressões físicas (vulgo: porrada) e morais (vulgo: lixar o juízo) perpetradas pelo Pinóquio, pois o nariz é omnipresente e a vitimização massacrante;
- Segunda, existem vários clones do Pinóquio (se um é demais…) com a respectiva e deplorável marcação CE;
- Terceira, as preocupações ambientais são actuais e prioritárias (certo?), pois bem, muitas árvores são abatidas por causa do crescimento desmesurado do nariz do Pinóquio e seus clones;
- Quarta, a restante bonecada, excepto o Calimero, fica com inveja porque é, simples e totalmente, desprezada;
- Quinta, por fim, a paciência tem limites.
Então, e o Gigante? – perguntam-me alguns… Bem, como sabem, essa besta delira com as grandezas, portanto, quanto maior for o nariz do Pinóquio, melhor. E, inversamente, pior para nós, o Zé Povinho.
"Por isso, urge perguntar: o que é que terá acontecido aos juros? Porquê uma execução orçamental tão baixa?"
ASP, duas possíveis razões:
1. refinanciamento da Dívida Pública com prioridade a títulos de menor maturidade/taxa de juro mais baixa (exemplo).
2. Crescente sucesso da emissão de certificados do tesouro, que nos anos intermédios têm taxas de juro baixíssimas (na emissão de Março, a taxa líquida é cerca de 1,36%).
Parece mesmo que alguém está a tentar atirar despesas lá para o fim do ano, já estou a ver o discurso "íamos tão bem, mas depois houve eleições e veja-se o descalabro que foi nas contas públicas!"
Que o PSD o oiça senhor Santos Pereira.
Estou a desconfiar que vai aparecer alguém do governo a chamar-lhe contabilista. É que esta gente não gosta de quem diz as verdades, antes prefere atirar areia para os olhos, no caso com a conivência de muitos funcionários públicos colocados nos lugares cimeiros da administração pública, a maioria a sofrer da coluna. Uma desgraça.
Parabéns pelo trabalho feito. Porque contra a retórica e contra a propaganda só resulta mesmo a realidade.
Sim.., eu ando preocupado (há muito tempo..) com os desvarios deste governo.
Mas o que me preocupa ainda mais é ver que quem podia promover alternativas mais não faz do que mistificar, baralhar e, com frequência, inventar.
Agora diga-me.
Se o Sr neste seu blogue investe tanto para aldrabar os incautos. porque é que alguem lhe deve dar mais credibilidade do que se dá aqueles a quem ataca?
Pois...
Miguel
P.S. imagino que o comentário não seja aprovado. Costuma ser assim que funciona quando não agrada. de qualuqer das formas se quiser que lhe deixe aqui ponto por ponto porque é que 90% do seu texto não tem qualquer fundamentação...diga que eu deixo.
Caro ASP,
Três notas que complementam e rectificam a sua análise:
1. Os juros não são directamente comparáveis com períodos homólogos anteriores. Como sabe, a informação da DGO é apresentada segundo a óptica da Contabilidade Pública, que não conhece o conceito de periodificação. Durante o 1º trimestre de 2011 não haverá qualquer vencimento de juros de OTs, que representam o grosso da dívida directa do Estado. Em Abril já haverá 2 emissões a vencer, sendo que uma delas com reembolso (que talvez não consigamos pagar...). Mas em Fevereiro de 2006 venceram 2 emissões (OT/96 - 9,5% FEV 2006 e OT/97 - 6,625% FEV 2007) as quais, no seu conjunto, implicaram o pagamento de cerca de 280 M€ de juros. Em Fevereiro de 2007 pagou e reembolsou a 2ª daquelas, o que representou cerca de 169 M€ de juros. Por outro lado, e em complemento do comentário acima do BZ, refira-se que as taxas de juro dos Certificados de Aforro em 2006 e 2007 seriam sensivelmente o dobro das actualmente em vigor para os mesmos e para os Certificados do Tesouro, sendo que o stock em dívida tem oscilado entre os 16 e os 17 MM€ como pode ser aferido no site do IGCP. Para além disso, terá havido também diferenças nos juros de BTs, que não consigo quantificar.
2. A subida de que fala na "Aquisição de Bens e Serviços", embora significativa em termos percentuais, é pouco expressiva no valor global daquela rubrica se analisada para todo o Sector Público Administrativo. A sua análise é feita apenas para o sub-sector Estado e os grandes números estão no sub-sector Serviços e Fundos Autónomos onde a dita rubrica continua inexplicavelmente a crescer (1,3%). É aqui que estará registada muita da delapidação e gastos com os "boys" (telemóveis, viaturas, deslocações, avenças a consultores externos e a gabinetes de advogados amigos, etc, etc.) e onde se poderiam facilmente cortar qualquer coisa como 20%. Sei do que falo, pois nas empresas privadas, onde há muitíssimo maior controlo de custos, quando se decide cortar nos FSEs em percentagens daquela ordem, corta-se mesmo. No sector do Estado, o documento da DGO explica (pág 11) a subida em 49% por uma reclassificação das contribuições patronais para a ADSE. Pelas minhas contas, estaremos a falar em cerca de 55 M€ que, se não fosse tão oportuna reclassificação, seriam contabilizados em Despesas com o Pessoal. Tal faria com que a descida nesta rubrica fosse apenas de 1,8% e não os simpáticos 5,3% anunciados, que excedem o objectivo de 5% de descida média salarial assumida em sede de Orçamento. Isto indicia que terá havido muita "compensação" para as baixas de salários anunciadas e/ou admissão de mais "boys".
3. As receitas fiscais, cujo crescimento tem permitido a Sócrates tanto "foguetório" (à custa dos nossos bolsos) não irão obviamente mantê-lo. Isto porque o IRC está empolado pelos dividendos antecipados, o Imposto Automóvel pela antecipação de compras em Dezembro passado e o IVA pelo diferencial de taxas em 3 pontos pontos percentuais que irá vigorar no 1º semestre. Relativamente a este, refira-se ainda que irá sofrer os efeitos da previsível contracção da actividade económica.
Obviamente que nada disto retira mérito à sua análise. Mais a mais, sendo feita por quem está do outro lado do mundo.
Melhores cumprimentos,
A descida dos juros so e ocasionada por a contabilidade publica ser numa otica de caixa (i.e. so qdo o $ e efetivamente pago e q e contabilizado). Caso fosse numa otica de "accruals" como e o caso nas empresas privadas ja nao se veria esta reducao nos juros. Em todo o caso e so esperar pelo vencimento dos bilhetes de tesouro emitidos recentemente e dos cupoes das OT's mais recentes.
Haverá um adiamento de despesas e uma antecipação de receitas, com a finalidade de adiar a percepção da realidade.
Por exemplo, o IRS (devoluções), este ano é adiado, pelo menos um mês, em relação ao ano passado...
Que impacto terá isso nas contas mês a mês?
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