31 março 2011

A CASA DOS HORRORES

As finanças públicas portuguesas são, actualmente, uma autêntica casa dos horrores. Como era de esperar, acabaram por confirmar-se as más notícias de que o governo não andava contabilizar todas as despesas que devia, e que os défices orçamentais e a dívida pública dos últimos anos foram substancialmente superiores aos previamente anunciados. E engana-se quem pensa que foi só a contabilização dos passivos das empresas públicas ou uma alteração das regras contabilísticas que levaram a estes novos valores. A verdade é que o Eurostat está apenas a corrigir os malabarismos contabilísticos e as sucessivas desorçamentações levadas a cabo nos últimos anos. Porém,  e infelizmente, nada disto é demasiado surpreendente. Quem se der ao trabalho de ler os relatórios da UTAO e do Tribunal de Contas (principalmente o relatório sobre a Conta Geral do Estado) facilmente perceberá que a situação já há muito era conhecida pelos especialistas, embora os buracos orçamentais relacionados como BPN e o BPP ainda não tinham sido devidamente dimensionados (porque, obviamente, tal não convinha ao governo). Porém, a deficiente contabilização do défice e da dívida do Estado era pública. A verdade é que todas as entidades independentes que têm analisado as nossas finanças públicas já há muito que se lamentam das constantes desorçamentações, dos inúmeros truques contabilísticos e das constantes reclassificações de rubricas contabilísticas. No meu novo livro, irei falar com grande detalhe de muitos destes artifícios de contabilidade e dos vários défices escondidos das contas públicas portuguesas.
Infelizmente, tenho poucas dúvidas que não vamos ficar por aqui. Como já aqui referi muitas vezes, só quando levarmos a cabo uma auditoria externa das nossas contas públicas é que vamos perceber a real dimensão do défice orçamental e da dívida pública dos últimos anos. Por isso, arrisco-me a deixar aqui uma previsão: esta não vai ser a última vez que o défice orçamental e a dívida pública vão ser revistos. Até ao final deste ano ou até ao princípio do próximo estes números vão ser certamente actualizados. E, como é óbvio, para pior.
Enquanto isso não se passa, aqui fica o gráfico actualizado da dívida pública em percentagem do PIB dos últimos 161 anos. Como é visível, afinal, a dívida mais elevada dos últimos 161 anos não irá acontecer no final deste ano: já aconteceu em 2010. Em 2011, a dívida pública nacional será quase 10 pontos percentuais mais elevada do que em 1892, quando o país foi forçado a declarar uma bancarrota. Uma vergonha. E um pesado legado que este inqualificável governo nos irá deixar.

Dívida Pública em percentagem do PIB, 1850-2011
Fonte: Santos Pereira (2011)

3 comentários:

AG disse...

O mercado logo na Segunda-feira vendeu dívida portuguesa em todas as maturidades, nem o BCE conseguiu evitar o óbvio. O jogo acabou, o yield curve inverteu. https://docs.google.com/leaf?id=0B21Wp92mpwdYYjFmZGIzMjAtYTY1MS00M2E0LTljNDMtYTBmZWFiNjA2MjQz&sort=name&layout=list&num=50

A questão agora é quanto tempo é que demoramos até aceitar a realidade que vamos ter que restruturar a dívida. Hair-cuts de 30%?

Ou seja, é urgente fazer reformas no país, e cortar drasticamente com a despesa etc.. Mas não há privatizações que cheguem, nem crescimento económico que nos tire do cenário de ter 100% (ou mais) do PIB endividado quando se sabe que o futuro nos reserva taxas mais altas.

JFC disse...

Eu sou um leigo nestas coisas e achei o gráfico muito interessante, que me levanta várias questões:
Claramente a dívida pública teve uma forte descida com o estado novo, quais foram as consequências no desenvolvimento sócio-económico do povo português em comparação com o resto da Europa?
Apesar do estado português estar envolvido numa guerra colonial que implicava grandes gastos (incluindo o choque petrolífero de 73) como é que a dívida pública desceu entre 1965 e 1974?
2007 é o estoirar da crise mundial. Começa com o aumento do preço do petróleo para valores nunca vistos, mas não é mais do que aquilo que já se vinha sentindo e escondendo desde 2000, o aumento dos custos energéticos não param de aumentar. A nível mundial, falta dinheiro para pagar estes custos e inventam-se novos esquemas para financiar as empresas e a economia, até que tudo estoira e chegamos aos dias de hoje.
As instituições financeiras tentam recuperar dos esquemas e fecham as portas a novos financiamentos e aumentam o preço do dinheiro. Portugal é apanhado neste turbilhão.
A economia arrefece, as facturações reduzem-se, deixa de haver dinheiro para pagar os compromissos assumidos anteriormente e negoceiam-se novos financiamentos, cada vez mais caros, para piorar as coisas com combustíveis cada vez mais caros.
Para não haver rotura social, dão-se subsídios e os custos do estado aumentam, a montante e a jusante.
Como vamos resolver o problema dos custos energéticos?
Vamos fechar as fronteiras aos produtos estrangeiros e viver apenas daquilo que produzirmos?
Vamos acabar com as empresas públicas e aumentar o nível de desemprego, aumentando os custos sociais?
Vamos acabar com os subsídios e regressar aos anos 60?
Depois disto tudo, onde vamos buscar dinheiro para pagar os juros cada vez mais altos?
Será que há forma de haver uma distribuição mais solidária dos custos e dos proveitos?
Será que precisamos de ser um país desenvolvido?
Sinceramente não vejo qual a solução e parece-me que não há nenhum economista que saiba como sair desta situação, em Portugal e a nível mundial.
Todos procuram respostas estratégicas, mas todos se vão ficando pelas tácticas do momento, à espera que no futuro tudo se componha.
Portugal é apenas um dos elos mais fracos.

Anónimo disse...

Este gráfico TEM DE SER usado pelos partidos de oposição na campanha, com uma tecnologia visual similar à usada pelo dep. Paul Ryan ontem nos EUA. As pessoas não tem noção clara do ocorrido nos últimos 7 anos.