Um leitor anónimo insinua que estou a fazer um argumento político com os números do desemprego. Pois muito bem. A minha intenção era somente chamar a atenção para o grave problema que temos nas nossas mãos e para o qual tenho tentado alertar várias vezes. O fenómeno do desemprego começou a acentuar-se em 2000 e nenhum governo foi capaz de o travar, pelo menos de uma forma duradoura. Não foi só este governo, foram também os governos que o precederam. É claro que as consequências relacionadas com a crise internacional foram responsáveis por cerca de 180 mil novos desempregados. No entanto, e como já aqui tinha mostrado, a tendência de crescimento do desemprego começou no início deste século. Não começou em 2004, 2005, nem em 2008. Ou seja, há uma crise nacional que se prolonga há mais de uma década e que tem tido reflexos muito claros ao nível do desemprego e do retorno da emigração, e que foi agravada pelo eclodir da crise internacional. E as políticas económicas dos últimos têm-se revelado totalmente ineficazes para contrair esta tendência.
Mas, para além dos dados históricos, aqui ficam os dados da última década para que não fiquem dúvidas sobre os números do desemprego. Os dados são referentes ao último trimestre de todos os anos entre 1999 e 2010. E, já agora, uma sugestão: se quisermos fazer um argumento político, vale a pena atentarmos para os dados do primeiro trimestre de 2005 em vez do trimestre precedente:
4.º Trimestre de 1999 | 4.º Trimestre de 2000 | 4.º Trimestre de 2001 | 4.º Trimestre de 2002 | 4.º Trimestre de 2003 | |
215.2 | 195.1 | 220.5 | 329.6 | 355.6 | |
1.º Trimestre de 2005 | 4.º Trimestre de 2005 | 4.º Trimestre de 2006 | 4.º Trimestre de 2007 | 4.º Trimestre de 2008 | 4.º Trimestre de 2010 |
412.6 | 447.3 | 458.6 | 439.5 | 437.6 | 619 |
Quanto aos dados da emigração, aqui estão os fluxos entre 1998 e 2008 estimados a partir dos dados dos fluxos populacionais e da Segurança Social dos principais países de acolhimento dos nosso emigrantes. Os dados não são meus, são dos países de acolhimento. Eu simplesmente os compilei:
Número de emigrantes portugueses, 1998-2008
1998 | 1999 | 2000 | 2001 | 2002 | |
44.694 | 36.793 | 35.489 | 38.179 | 45.098 | |
2003 | 2004 | 2005 | 2006 | 2007 | 2008 |
60.818 | 68.144 | 74.493 | 84.272 | 108.388 | 101.595 |
Fonte: Santos Pereira (2011)
É exactamente por a emigração ter subido tanto que não é difícil concluir que a taxa de desemprego já seria bem mais elevada se centenas de milhares de portugueses não tivessem saído do país à procura de oportunidades de emprego e de melhores condições de vida.
Apesar de estes dados serem uma mera constatação da realidade, qual é o verdadeiro argumento político que está por detrás destes números? É simples: as más políticas dos últimos 15 anos são responsáveis pelo desastre económico que estamos agora a assistir, cujas consequências incluem, entre outras coisas, o maior desemprego dos últimos 80 anos e a segunda maior vaga de emigração dos últimos 160 anos. Este é, aliás, um dos principais argumentos do meu novo livro, onde se apresentam vários outros dados que provam quão desastrosas foram as políticas económicas dos últimos anos.
8 comentários:
Ex. mo Senhor Professor A. S. P.:
A acusação de que o seu argumento é político, no pior sentido do termo, isto é, que usa os números selectivamente para chegar a determinada conclusão, não é de todo infundada.
É o habitual nos seus interessantes posts: o senhor não defende o recurso ao FEEF/FMI, mesmo sabendo que os juros dessas instituições «beneméritas» continuam a «salvar», leia-se, afundar, os recorrentes? E porque o faz? Porque isso lhe interessa politicamente;
O senhor foi questionado também sobre os números da imigração, que têm sempre relação com o desemprego. Esqueceu-se deles mais uma vez. Até podiam confirmar a seu tese, por isso convinha tê-los referido.
Ainda sobre este tema, no post de 07/03, «Resgate, dizem eles», lancei-lhe o desafio de comentar a curta entrevista ao Expresso de Franck Biancheri, fundador do Laboratoire Européen d'Anticipation Politique (LEAP), sediado em Paris, e Presidente do Newropeans. Mas não o fez e era interessante ouvi-lo. Outro argumento recorrente em si, e no sector político onde se enquadra, é o da genealogia da nossa desgraça.
Lá vêm os fatídicos 15 anos (embora nesses 15 anos se incluam pessoas cuja «competência» está acima de toda a prova, pois venderam 100% de dívida apenas por 15% de recuperação, ao City Bank, e diagnosticaram um país de tanga, com 4,6% de défice, tomaram medidas duras contra isso mas deixaram 6,5% – fantástico).
Apesar do inegável desastre dos ditos 15 anos, e da incompetência que o acompanhou, infelizmente a genealogia da nossa desgraça vem de muito mais longe. Mas como convém proteger o «intocável», o que está «acima de qualquer suspeita», tem que se afirmar até à exaustão este número mágico: 15 anos. Apenas alguns exemplos: quando foi instituído o NSRFP? Para o instituidor, o Novo Sistema Retributivo da Função Pública, para os insuspeitos Miguel Cadilhe e Miguel Beleza, o Novo Sistema RUINOSO da Função Pública; Qual foi o valor dos nossos défices entre 1985 e 1995? Sempre acima dos dois dígitos.
Quem desmantelou as pescas, a agricultura, a indústria a troco de fundos para fazer auto-estradas e outras obras de interesse duvidoso?
Há medidas cujo pleno das consequências só se atinge alguns anos mais tarde. Daí os fatídicos 15 anos.
Convém algum rigor na argumentação e contenção nos entusiasmos, o pote está completamente vazio e não há varinha de condão que faça lá aparecer umas moedinhas. Parece que há quem se recuse a compreender isto.
M. H. F.
Caro Álvaro,
O comentário que fiz anteriormente (agora sem ser anónimo) creio que foi pertinente. Os números do desemprego mostram de facto 2 períodos de aumento do desemprego nos últimos 10 anos (não um efeito continuado): 1) 2002-2004, na primeira recessão do século; 2) Depois da crise de 2008.
É certo que isto não invalida um facto indesmentível: os níveis de desemprego em Portugal são historicamente elevadíssimos, mas temo que resilientes (estruturais).
Uma outra questão que tinha colocado foi a quantidade de empregos existentes no país. Ou seja, qual o número total de pessoas empregadas, vs a taxa de desemprego. Tal dar-nos-á uma visão mais concreta da problemática. A título de exemplo, em 2000 a taxa de emprego em Portugal era de 68,4%. Em 2008 de 68,2%, apesar de como vimos o desemprego ter aumentado de forma intensa (desde então caíu a pique). Da mesma forma, fui ver os dados do INE sobre o total de população empregada: 1ºT 2001: 4,962MM; 3ºT 2008: 5,196MM; 4º 2010: 4,948MM.
É provável que algo me esteja a escapar nesta breve análise. Não coloco em causa o drama estrutural que o desemprego é para o país e para as pessoas. Mas por outro lado o que vejo é que entre 2001 e o início da crise, a nossa economia "criou" 200 mil empregos, os quais foram todos destruídos com a crise a partir de 2008. Existem actualmente sensivelmente o mesmo número de empregos na nossa economia do que em 2001, mas mais 400 mil desempregados. Se a isto juntarmos o argumento de que se não fosse a emigração (7% da população nos últimos 10 anos), a situação seria muito pior... diria que os numeros não quadram e a conclusão não explica o fenómeno. E o fenómeno é: a economia criou empregos até 2008, mas em número insuficiente para o aumento da população activa (crescimento orgânico e imigração - emigração). A manter-se o nível actual da população activa, necessitaremos de níveis de emprego historicamente elevados para que a taxa de desemprego baixe para os níveis de 2001 (até 2010 não será de todo expectável).
Este comentário (bem como o anterior) é enviado numa optica construtiva, e prende-se com o facto de ser um leitor diário do seu blog, de apreciar as suas análises bem construidas, e parecer-me que na questão e artigo sobre o desemprego apenas uma parte da questão estar a ser analisada.
Alvaro,
Estes numeros de emigracao parecem muito elevados porque sao superiores ao numero de nascimentos! Ou estamos a receber mais de 100k imigrantes por ano (duvido) ou a populacao residente em Portugal esta a diminuir dramaticamente (afinal de contas, as pessoas tambem morrem)...
Com o novo censo vamos saber qual eh a verdade.
De qq modo, agradeco o bom trabalho. Faz muita falta haver mais blogs bons de economistas portugueses (daqueles que fazem economia e nao politica!).
Um grande abraco,
Hugo
Sua Exª o Sr. Eng. ZS é o único que em Portugal pode usar a estatística como argumento político.
Todos os outros devem, em todas as circunstâncias, usar da maior seriedade e, de preferência, abster-se de mostrar números que ponham em causa Sua Exª e o seu magnifico trabalho.
Sr.Anónimo (do comentário anterior)
É triste que as pessoas se refugiem no anonimato para emitirem as suas opiniões.
Mais triste ainda que não consigam ver para além da míope e torpe luta partidária (o Sócrates preto os outros branco, o Sócrates azul os outros amarelo).
Que tristeza!
A situação do país não é alheia a estas mentalidades pequeninas que enformam o pensamento de, infelizmente, tanta gente.
M. H. F.
Seria possível responder ao sr. MHF, apresentando-me, mas, o anonimato serve tb para proteger quando usado com parcimónia (refira-se a este efeito que foi a 1ª vez que comentei aqui um post dos desmitos). E se há algo que aprendemos com estes anos de JS é que temos de ter cuidado. Não se esqueça, e não fui eu que o disse, que quem se mete com o PS, leva!
Lembro-lhe que não falei em partidos, falei em Sua Exª o sr. Engº. Se o confunde com um partido é problema seu. E infelizmente de muitos outros que se dizem socialistas.
Agora que estamos, desculpe-me o vernáculo mais atrevido, entalados, é vê-los dizer que temos de contar com todos, que temos de pensar para além dos partidos. Lindo, mas absurdamente impossível.
Os danos que estes governantes (e deixo as questões partidárias ao seu critério) deixam no país serão, senão irrecuperáveis, pelo menos dantescos de resolver. Esquecer quem os promoveu, quem os escondeu e esconde (atrás precisamente de uma gestão de números muito interessante - e é essa a origem desta troca saudável de palavras)é que julgo não deve ser a posição de pessoas de bem.
Socrates é culpado (e o PS tb por o deixar)e senão for a justiça será a história a mostrá-lo. Nem que seja de forma estatística: A maior taxa de desemprego dos ultimos 80 anos; a maior taxa de emigração dos últimos 160 anos; a maior divida soberana de, sei lá; o maior desânimo em todas as classes sociais; etc, etc, etc...(aqui limito-me a ler opiniões claras de pessoas que saibam do que escrevem - como este blog).
E pensar que foi este senhor que gritou na AR que 7% de desemprego era a marca de um governo falhado.
E aqui lhe digo, que as mentalidades pequeninas foram e são aquelas que permitem a pessoas como estas, mal educadas e mal formadas sejam responsáveis pela gestão, não de um clube, não de um partido, mas de um país. A Democracia tem destas coisas, muitas vezes reduz-se à míope e torpe luta partidária. Mas eu acho que preferimos todos assim.
pl
(pronto já não sou totalmente anónimo ...)
O equivalente a 2% da população emigrou nos últimos dois anos!!!!!!!!!
Lembro-me que durante a campanha das legislativas de 2009 Sócrates disse que o PSD tinha uma visão salazarista de Portugal. Pelos vistos ele muito bem capaz de fazer de novo de Portugal um país salazarista...
PRISÃO!!!!
Sr. pl:
A sua resposta retorma ao argumentário primário da «inefável» guerra de «alecrim e manjerona» em que se transformou o debate de ideias para algumas pessoas.
Não sou PS, muito menos socratista, não fiz parte dos 45%, nem dos 33% que o puseram lá. Há muito que, na cabine de voto, não consigo ver onde valha a pena gastar a tinta da caneta na cruzinha. A consideração que tenho por Sócrates só não é menor que ZERO, porque isso é irrelevante.
Mas atribuir-lhe todas as culpas não só é redutor como falso. Perante uma floresta densa, se culparmos a árvore frondosa à nossa frente pela sombra que não temos, perdemos a vista as sombras das outras árvores.
Segue-se um texto de outro comentário que pus neste blogue, pode ser que o ilumine, embora duvide.
Os gráficos que nos mostra [agora respondo ao Prof. A.S.P.], complementares entre si, ou decorrentes uns dos outros, confirmam-nos a paulatina perda de «tónus muscular» da nossa economia desde o início dos anos 70, fruto de uma ilusão permanente a 5 tempos: 1.º, o da manutenção do Império colonial (Estado Novo), 2.º, o do igualitarismo societal (deriva populista de 74-76); 3.º, o do «paraíso prometido» da CEE (pedido de adesão); 4.º, o do «leite e mel» devido à «competência governativa» (cavaquismo); 5.º tempo, o do banquete fácil de digerir (guterrismo).
A conta apareceu às claras em 2003, mas continuámos a viver a ilusão de que o essencial podia continuar (TGV, Aeroporto, PPP, Novas auto-estradas, Scutt , etc.) desde que varrêssemos o lixo para debaixo do tapete, isto é, atirássemos tudo para a dívida pública, que outros pagariam mais tarde.
O pote da dívida encheu-se, mas a retórica ilusionista continua, quer no governo, quer nas oposições.
É preciso falar verdade, sem tacticismos partidários, delinear uma estratégia com hipóteses de sucesso tendo em conta 3 dados essenciais: o nosso atraso (e incluo: educação, organização judicial, organização político-administrativa – pense na máquina político-administrativa para gerir um pequeno território e apenas 10 milhões de seres –, etc.); o desafio de não perder o pé na concorrência dentro da UE; o desafio de não perder o pé na concorrência da globalização.
A radiografia macro está há muito feita, os seus gráficos mostram-no, agora é SÓ preciso agir.
Temos de deixar de «manchar» as nossas análises com tacticismos político-partidários, como o senhor acaba por fazer (consciente ou inconscientemente), dando a ideia de que é preciso remover já o governo, porque nos levou a isto. Não é verdade, apenas agravou, e muito, um longo trajecto de decadência lenta mas persistente.
É preciso remover o governo quanto antes, mas antes temos de ter uma alternativa com um projecto estruturado e moralizador da vida pública, consistente, de futuro. Mais folclore eleitoral não!
Os portugueses não são todos estúpidos, compreendem as dificuldades e os sacrifícios se lhes forem explicados, mas não compreendem que, ao mesmo tempo que se pedem sacrifícios duríssimos a uns, se permitam mordomias indecorosas a outros (duplas e triplas reformas acrescidas de ordenados chorudos no activo; remunerações incompreensíveis dos gestores – muito acima da média da UE - enquanto se alega que os trabalhadores não podem ter 15 euros/mês de aumento porque a economia não aguenta, só aguenta para os ordenados dos gestores; reformas conseguidas por apenas 5 ou 6 anos de serviço em determinada função, p. ex. no BdP, etc.)
E até agora, sobre o essencial, nada de novo da oposição, muito menos dos putativos responsáveis pelo próximo futuro governo.
Esse é o nosso drama, excesso de diagnóstico, défice de propostas, acção tantas vezes contrária às necessidades.
Se não fosse trágico, que divertido seria termos eleições já amanhã!
M.H.F.
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