03 maio 2008

A CRISE

Num estudo recente do European Restructuring Monitor, a economia portuguesa é apontada como sendo uma das mais afectadas pelo fenómeno da deslocalização. Segundo este estudo, estima-se que na União Europeia a economia portuguesa seja a terceira economia mais afectada pela deslocalização das empresas, logo atrás da Eslovénia e da Finlândia (nada mau para companhia).
À primeira vista, estes dados parecem confirmar os piores receios dos profetas da desgraça que crescentemente apregoam que o alargamento da UE a Leste e uma globalização “desregulada” são as principais causas do recente aumento do desemprego e da estagnação económica. Segundo estes analistas, a globalização e o alargamento da UE ameaçariam inclusivamente o futuro da economia portuguesa, pondo em causa a própria sobrevivência do país. Assim, não é de espantar que a crise actual tem sido também o principal ponto de discussão de todos os candidatos à presidência da República, alguns dos quais têm dramatizado o presente estado de coisas, atribuindo o aumento do desemprego aos fenómenos da globalização e da deslocalização das empresas.
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Porém, apesar de todos os dramatismos, se analisarmos de forma isenta a relação entre a crise actual e o fenómeno das deslocalizações veremos que a realidade é bem diferente. Se não vejamos.
Em primeiro lugar, o número dos trabalhadores afectados pelas deslocalizações de empresas é extremamente baixo. Segundo o referido estudo do European Restructuring Monitor, estima-se que cerca 0,11% da população activa portuguesa perca os seus empregos devido a deslocalizações para os países da Europa de Leste e da Ásia. Mesmo que este valor esteja subestimado, a verdade é que o desemprego relacionado pelas deslocalizações é praticamente insignificante. O resto é propaganda e sensacionalismo.
Em segundo lugar, apesar da nossa desvantagem geográfica, Portugal possui várias vantagens comparativas em relação às suas congéneres europeias. Por exemplo, apesar de existir uma certa percepção entre nós que somos um dos países mais corruptos da UE, a verdade na UE-25, todos os novos estados membros da UE têm níveis de corrupção mais elevados do que a economia portuguesa. Por outro lado, os trabalhadores portugueses ainda são relativamente baratos em relação à média europeia da UE-15. Assim, um trabalhador espanhol custa em média 75% mais do que um seu congénere português. Todavia, na UE-25, as notícias são menos animadoras, visto que, em média, um trabalhador português custa quase o dobro do que um trabalhador dos países de Leste. Neste sentido, se houverem deslocalizações numa escala maior, o que poderá acontecer é uma redistribuição do investimento directo estrangeiro em função das diferentes áreas geográficas. Por exemplo, se é certo que uma empresa alemã tem incentivos maiores para investir nos países de Leste europeu, também é verdade que, nesta lógica, um investidor espanhol terá também um maior incentivo de o fazer em Portugal, onde os custos laborais são muito mais baixos do que em Espanha.
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Deste modo, apesar de todos os dramatismos relacionados com a crise actual e apesar de algumas deficiências dos indicadores de competitividade, a verdade é que a economia portuguesa não padece de uma falta de competitividade crónica. A situação actual é grave, mas não ainda é desesperante e certamente não ameaçará o nosso futuro como nação. Portugal é uma nação com quase 900 anos de história, durante os quais já tivemos e vivemos períodos bem mais conturbados do que o actual. Neste sentido, interessa perguntar que tipo de país seríamos se uma crise económica com meia dúzia de anos pudesse pôr em causa a nossa independência económica?

2 comentários:

lmleitao disse...

Deixem-me relembrar-vos uma das frases que mais me agradam enquanto estudioso de assuntos económicos: "há três tipos de mentiras: as mentiras, as mentiras horríveis e as estatísticas", escreveu no passado Mark Twain. Estes estudos comprovam isso mesmo. Com isso, não quero dizer que se devam ignorar por completo, deve-se antes olhar para os seus resultados com relativo distanciamento.
Quanto ao texto em si, e mais precisamente à conclusão, achei interessante como o Álvaro o conclui: "...que tipo de país seriamos se uma crise económica, com meia dúzia de anos, pudesse pôr em causa a nossa independência financeira". É que a contar com as multinacionais que existem no nosso territorio dúvido que possamos considerar uma "independência financeira". Aliás, tomando como exemplo o grupo Autoeuropa, localizado em Palmela, em que a sua produção representa mais de 2% do PIB nacional e cerca de 10% das exportações portuguesas, dá trabalho a mais de 3 mil trabalhadores directamente e a tantos outros milhares indirectamente, basta lembrar o que acontece todos os anos por alturas do final do ano: à conta de sucessivas ameaças do grupo alemão em abandonar o país rumo a um país de leste, o governo português adiciona todos os anos mais um bónus fiscal à conta da Autoeuropa. Se a este exemplo juntarmos o IKEA, e tantos outras multinacionais que à conta de sucessivos "incentivos fiscais" têm contabilizado custos fiscais, talvez tão irrisórios como o IRC pago pelos bancos, fico a pensar o que acontecerá quando se acabarem as benesses tributárias! A contar pelo que tem saído da boca dos nossos representantes políticos "somos nós que temos uma grande sorte em ter estas empresas em Portugal, pois criam vários postos de emprego". Tem piada, de repente fiquei a pensar que todas estas multinacionais praticam caridade para com todos nós porque, bem vistas as coisas, nem têm facturado nadinha! Coitadinhas!

Cumprimentos,
lmleitao

Alvaro Santos Pereira disse...

Caro Luís Leitão,

Levanta questões muito pertinentes. Irei abordá-las nos próximos dias num post sobre os incentivos fiscais e o ivestimento estrangeiro.

Obrigado

Alvaro